terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Somos tão velhos





A única coisa que temos certeza na vida é que envelhecemos... Sobre a morte, talvez, nem tenhamos tanta certeza assim, mas sobre nossa senescência, ah! Dessa temos convicção.
E aí, achamos que envelhecer é sinônimo de amadurecimento. Pode procurar aí no seu dicionário Aurélio edição especial, ou no Google, que seja, uma coisa não necessariamente é sinônimo da outra. Até hoje, mal sabemos o que é amadurecer, quem dirá termos a ousadia de inferirmos um sinônimo para algo que não entendemos.
De fato, a velhice é a principal responsável por nos estereotipar durante nossa existência, seja na fila do banco, seja no estado civil. Interessante é que sabemos exatamente diferenciar um idoso com 60 anos de um jovem de 16, de cara, mas não existe uma linha bem definida que separa o jovem do velho. Cometemos o terrível erro de acharmos que velhos são, unicamente, aqueles que escutam músicas de gerações passadas, têm hábitos antiquados, são tradicionalistas por natureza e confundem, vez por outra, nosso nome e a ordem de alguns acontecidos. Mero engano... A velhice, por mais irônico que seja, é algo atemporal em nossas vidas e mesmo o mais jovem, já guarda em si a mais fatídica senilidade. 
E de uma hora para outra, assim, num lapso - tic -, aqueles que nos acompanharam com maestria e erudição durante toda a vida, passam a se enquadrar lentamente no nosso errôneo conceito de velhice: passam a ter a cabeça dura, dar trabalho por não seguirem aquilo que recomendamos, a trocar nosso nome e a esclerosar os hábitos outrora perfeccionistas: tudo um engano nosso.
Desde o dia em que sua mãe reclamou a primeira vez sobre a forma que você guardou a louça diferente da dela, já era velhice e só agora você se deu conta.
Querendo ou não, estamos muito à frente dos nossos pais. Certo dia, um professor meu falou isso... Discordei, de cara, mas hoje faz completo sentido. Somos da era da instantaneidade, do online e da 3G. Temos, muitas vezes, a compreensão científica sobre aqueles acontecimentos que antes só eram sabidos empiricamente por eles. Daí, sabemos que cigarro, mais do que nunca, é um fator que aumenta em mil vezes a probabilidade de câncer de pulmão e de todo o aparelho estomatognático, sabemos que óleos para frituras, quando muito utilizados têm acroleína que causa prejuízo à saúde e que se automedicar é uma faca de dois gomes. Como você os ama e quer o bem deles, claro que vai tentar instruí-los para evitar todos esses possíveis malefícios a que você teve o privilégio de ser sabedor. Resultado? frustrante... Não tem jeito:

- Mãe! a senhora já está tomando esse remédio por conta própria de novo?  Não já disse que não fizesse isso!?
- Deixa de besteira, menino, só essa vezinha! 

(Essa vezinha, todas as outras que tomou antes de eu falar e todas as que vai tomar quando eu não estiver por perto. Ok!)

Repito, não há jeito. Seu pai ainda vai preferir você dando continuidade ao trabalho braçal dele a ver você investir em uma nova profissão que vai proporcionar uma qualidade de vida mais ampla a você e até a ele mesmo. Seu pai não vai usar protetor solar fator 50 toda vez que for sair ao sol, não vai obedecer a plaquinha do "Não pise na grama" porque ele sempre pisou e ela nunca morreu, "não tem pra quê inventar essa frescura".
 Mais do que mudar um "habitozinho", para eles, é mudar toda uma cultura construída ao longo de toda uma vida. Definitivamente, não é da cultura deles receber e acatar conselhos daqueles que eles trocaram as fraldas, viram crescer e agora são metidos a bestas. Desde quando você aceita conselhos de crianças de 5 anos? Então, meu amigo, você tem que aceitar a falta de aceitação deles (e com um enorme sorriso de gratidão no rosto por tê-los ao seu lado até o presente momento).
É nessa hora que entra em ação o verbo amadurecer. Não adianta você saber sobre Acroleína, Condrodisplasia Punctata Rizomélica e Adenocarcinoma Polimorfo de Baixo Grau, se você não tem o mínimo discernimento de entender seus pais nesses momentos e, mais do que isso, de conviver com eles após entrarem nesse estágio que consideramos pejorativamente de caduquice. Nada mais triste do que ver um ser humano, por desentendimento próprio e, consequente, desaceitação dos seus pais, se desfazer dos seus.
Não tem para onde correr, entendimento é a chave do negócio: é abraçar sua mãe depois que ela falou uns vinte minutos raivosamente sobre qualquer estresse bobo. É recolocar a plaquinha "Não pise na grama" quantas vezes seu pai tenha tirado. É insistir, ainda assim, de forma amável, para que ele use o protetor e os óculos escuros para o olho em que ele fez uma cirurgia. É entender que você pode não ser o filho que seu pai almejou, mas que, ainda assim, vocês vão continuar a se amar reciprocamente de forma indefinida. É entender e conviver, com todo o bom humor do mundo, mesmo não compactuando com aquelas atitudes, afinal, você ainda vai se pegar dando uns carões no seu(a) irmão(ã)/primo(a)/sobrinho(a) mais nova de uma forma exatamente igual àquela que seu pai brigou com você 15 anos atrás.
É, meu jovem, também envelhecemos... E, pasmem, albergamos em nós tanta velhice quanto nem imaginamos e sem linha, nem fronteira, nem alarido, em mais hora ou menos hora, seremos nós reclamando do tempo perdido, dos hábitos "desnecessários" dos nossos filhos e da "besteira desse povo de hoje em dia".
Você pode ser um marmanjão de 30 e tantos anos, cheio de barba nessa cara mal lavada, com filhos até, mas você será o eterno bebezão da sua mãe e quando você for sair para viajar de carro, ela ainda vai te dar as mesmas instruções que dava à dez anos atrás. Como ter raiva de tanto amor? Definitivamente, não há fronteira que separe o jovem do velho.
Chegamos, então, à provável conclusão de que amadurecer, talvez,  não é saber muito sobre essas coisas estranhas a que chamamos de relações humanas, apenas por ter experienciado um número infinito delas e saber lidar com maestria em cada peculiar caso. Amadurecer, quem sabe, seja o entendimento de que não se pode mudar mais certas coisas nesta existência, mas que podemos aceitar e mudar a nós mesmos para que possamos conviver com estes pequenos desafios insuperáveis, que teimamos em não admitir que existem, que são os fatos diários.

Um comentário:

  1. Como sempre, esbanjando sabedoria. Um texto magnifico, cheio de ensinamento importantes. Parabéns ! E continue postando, postando e postando. Ainda não matei minha saudade do seus textos.

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