terça-feira, 30 de abril de 2013

Fragmento de algo maior que nunca existiu



... Um vento frio emanava e balançava as vestes daquelas pessoas. Estavam há milhas de altura, em cima de uma das mais altas montanhas daquele vale, em uma parte em que apenas uma pedra branca e nua se exibia para o belo fim de tarde. O verde monocromático e hiperbólico das montanhas e abismo vizinhos era pastoso e rodeava eles por todos os lados. Era um daqueles momentos em que o sol está ali, mas que por algum motivo geográfico não incidia diretamente neles, apenas iluminava-os de uma forma que criava uma aura mágica e sombria.
Cath se sentia estranhamente vazia ao transbordar de emoções.
Math mantinha-se ali, com o corpo curvado, o joelho quase encostando no queixo, acocorado, fitando o vazio, calado como se nunca tivesse pronunciado uma única palavra na vida. Estava quase que de costas para Cath, fitando aquele vácuo quilométrico com o abismo o preenchendo.
Mantinham-se...
Conversavam no silêncio, por minutos e minutos.
O sol havia baixado mais alguns milímetros no horizonte e a ausência de luz parecia dar lugar a uma frio que adentrava na entranha daqueles seres. O mundo estava envolto em um laranja esverdeado alucinógeno.
Era curiosa a sensação de diálogo mesmo sem palavras verbais ou corporais.
Era uma conversa abstrata de almas.
Os pelos de Cath se eriçavam a cado tufo de vento que penetrava nos seus vestes. Não sentia pressa. Não sentia pressa nenhuma. Era como se tivesse morrido continuando a viver. Não havia mais aquele sentimento de urgência iminente típico dos humanos. Tudo transcorria como se ela tivesse mais mil anos de uma confortável vida pela frente.
Math mantinha-se mais enigmático ainda, estático, efervescente. Consentia e acompanhava a silenciosa conversa enquanto seus cabelos esvoaçavam na beirada daquele monocromático abismo.
Sentou-se, por fim, sobre a gélida pedra nua. Deitou-se e sobre suas oculares via-se apenas a luz violeta azulada do céu com alguns cirros cinza enegrecidos, mais nada. Um cobertor de céu o aninhava. A baixa temperatura da pedra o fez sentir um calafrio na espinha.
Cath quebrou, por fim, o silêncio:
- Somos isso...
Passaram-se alguns minutos e Math, sentado novamente, imerso em pensamentos, indagou:
- O que, Cath?
- Esse vazio cheio de coisas...
-Somos...
Mas Math falou como quem fala pensando em algo completamente diferente...
Mais alguns minutos de vento gélido e verde alaranjado transcorreram...
Cath sibilou de uma forma séria e profunda:
- Ficamos nisso, então?
Math manteve-se calado. Respondeu através de uma profunda inspirada e do voltar da direção do olhar do abismo para os pés. Respondeu sem dizer uma palavra sequer.
Cath tinha os olhos cheios de lágrimas frias que estavam ali como um liquor que saia de sua alma sem muito alarde.
Ela odiava essa mania de amar nele o que ela mais odeia. O mesmo motivo do início é o mesmo motivo do fim. Havia uma conflito entre entradas e saídas, início e fim, progressivo e retrógrado. Havia um conflito.
Math fitando aquele abismo com olhos vazios falou:
- Que bobeira, Cath. A vida nem é isso, a gente é quem inventa...
E inventa mesmo. Ele era inventado para ela. Até seus erros ela amava, até seus erros ela odiava.
Cath irrompendo o silêncio, mais uma vez, falou:
- Fim, Math?
- Podemos dizer apenas que vamos voar? que somos livres para voos?
Math perguntava a ela com um ar reflexivo e esperançoso.
- Não vejo asas, Math. Aliás, vejo uma ausência delas, agora.
- Não, Cath. Nem sempre é necessário ter asas para voar. Os maiores voos são feitos sem tirar o pé do chão...
Math deu um meio sorriso como a gente dá quando se lembra de algo bom, mas não pode transparecer completamente.
Longos escuros minutos de vento se debateram neles. Cath e suas lágrimas frias pegaram a trilha para descer a montanha.
Math estava em um estágio em que ele não sabia se havia visto ou não ela sair, mantinha-se imóvel, preferia acreditar na verdade inventada dele. Continuou ali até não enxergar nada além de estrelas que faiscavam e riscavam o céu como fogos de artifício.
Voaram, por fim. Silenciosamente alçaram o arrebatador voou que fora discutido na silenciosa conversa de suas almas durante muito tempo. Voaram...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Homem que é homem não compra guarda chuva


Homem que é homem mesmo não compra guarda chuva. Sai na cara braba naquela chuva de 100 milímetros por metro cúbico, corre daqui, corre dali, entra numa loja, num bar (aproveita e toma uma cervejinha) ou passa em um cobertinho qualquer que encontra por aí, mas guarda chuva, não compra não!
Aí chega o inverno com aquelas chuvas torrenciais que decidem cair do nada. Essa época, em especial, é muito complicada para essa parte da população que tem um membro viril cilíndrico e erétil no meio das pernas. É um corre-corre desgraçado, cabelo molhado e camisas/calças ensopadas. O quadro perdura por semanas... Até que um dia em que não está para peixe (quase um oceano se formando de tanta chuva), toda a masculinidade e opinião de anos (um ano, mais precisamente, contando desde a data do inverno anterior) são abaladas e um pedido emergencial do um guarda chuva aparece. 
Aí você já viu... É uma coisa linda! Um bando de marmanjos andando na rua com guarda chuvas róseos, com flores, com estampas afeminadas (quando não com um arco-íris) e com modelos de gueixa feitos de cetim, desfilando num espécie de Rain Fashion Week. Porque homem que é homem, não compra guarda chuva. Mas a esposa compra, a irmã compra, a mãe compra, a avó compra, a namorada compra, a noiva compra e nunca (jamais!!!) elas pensam que um dia aquela pessoa próxima com o cronograma Y ao invés do X irá fazer uso destas geringonças metálicas que insistem em se abir ao contrário por menor que seja o vento que ouse passar.
Entramos na questão da dependência masculina. Li algo de Martha Medeiros esses dias em que ela falava que os homens tem duas mães, quando não três: a mãe propriamente dita, a esposa (namorada, noiva ou qualquer coisa desse tipo) e às vezes ainda tem a avó, a tia ou a irmã para dar uma cuidadinha no moço. E o pior é que é verdade mesmo. Homens são feitos para depender das mulheres nessas coisas específicas, só pode:

- "amor, você comprou shampoo?"
- "você comprou fruta para a minha dieta?"
- "esqueci de tomar o remédio, não brigue comigo, pegue aí!"
- "aonde estão as meias, por Deus?" 
- "aonde você colocou aquelas camisas?"

 Pois bem, no alto da minha masculinidade e da dependência materna, também não comprei um guarda chuva. Fui destes que sempre que precisei, minha mãe tinha uma gurda chuva rosa pink prontinho para mim. Neblina + estalei o dedo = guarda chuva. Simples. Prático.
Sempre dava certo, até quando não queria utilizá-lo. Esperava cinco minutinhos, corria daqui, corria dali, pegava um ônibus ao invés de ir o trajeto a pé, ia de carona, chovia nos horários em que eu não saía, arrumava alguém para dividir um guarda-chuva comigo, entre outras estratégias que só quem não tem guarda chuva (ou tem um guarda chuva rosa pink e não quer usar) entende, mas nunca me molhava por completo.
Até que em uma belo dia de uma neblina rala e um atraso não tão ralo assim, saí de casa para a faculdade. Como naqueles clichês cinematográficos, a cada passo que eu dava mais pingos me fuzilavam. Parecia que tinha uma nuvenzinha diabólica em cima da minha cabeça. Um passo = 1 milímetro mais forte. Dez passos = 10 milímetros mais forte. 
Atenção para a parte de que: o destino foi cuidadoso ao pregar a peça: deixou que apenas na marca dos 100 passos e um quarteirão longe de casa (mesmo a forte chuva me molhando, minha testosterona me fazia resistir bruscamente), a chuva chegasse aos 100 e tantos milímetros. Mas não parou por aí, o único abrigo possível que exista estava a uns cem metros de distância do outro lado da avenida que se encontrava a todo movimento com o sinal verde. Sinceramente, parecia que um balde do tamanho daqueles que existem em parques aquáticos que derramam de meia em maia hora uns 10.000 litros de água por sobre os banhistas tinha decidido se derramar por sobre a minha cabeça.
Resultado? Um alto investimento de doze reais em um guarda chuva PRETO, cromado e reforçado. Guarda chuva de homem mesmo. 
SIM, homem que é homem prevenido compra guarda chuva.

"Mãe, foram muito bons os anos em que utilizei seu guarda chuva florido rosa pink, obrigado, de verdade. Consegui minha independência, comprei meu próprio guarda chuva."

Att: Rodolfo.