segunda-feira, 17 de novembro de 2014

I n f i n i t o u - se

Estava sentada em frente ao mar. Um stand-by de vida, por ora. (vento)
Sentia o peito em voou.
Com contrações musculares intensas e dedos dos pés arreganhados, entranhava-os na areia em movimentos compassados... Sentia o delicioso atrito dos grão nos pés... Excitante... De um delicioso estranhamento.
Deve ser esse o principio daquelas caixinhas de areia com pequenos ciscadores nas salas de espera, pensava ela.
E o tempo passava... passava e passava. Ela um ser vivo oco de vida.
Estava completamente desconhecida de si mesma, uma roleta russa mental.
Por que, então, o mar não cai pra cima já que está as vezes sempre está de cabeça para baixo? Pensava ao fitar a linha infinita do oceano...
A maresia entrava nas suas narinas...
Tentava ver até onde não dava mais... Espremia a vista...
Imagina a força que o universo faz para segurar essa água toda? Pensava.
 E retinha assim, ainda mais? Deve ser essa força, então, o destino...
(Ia caindo um dominó por vez)
Esta força deve atuar sobre nós também... Talvez,  por isso somos assim, meio melancolicos e tão pressionados, todos comprimidos pela força do destino, pensava. "Águas retas pela compressão."
O vento fazia aquele barulhinho gostoso e irritante de vento nos ouvidos...
Essas ondinhas na superfície da água, por certo, são a tentativa insignificante do mar de fugir do destino, como as vezes tentamos...
Triste fatalidade, continuamos todos ondinhas, nada de nos fazer maremoto contra o destino...
Bem longe ouvia, transpassando o chiado do vento, barulho de buzina e trânsito caótico... Algo distante, meio abafado, parecia uma lembrança.
Deitou na areia... Esparramou o corpo e os cabelos cacheados por sobre aquela imensidão de minúsculos grãos. Dane-se! Depois limparia o vestido e os cabelos.
Era fim de tarde, céu claro, sol fino, cirros alaranjados traçando o céu... (vento).
E os pés continuavam a se enfiar com força na areia... Pulmões à todo vapor...
O brilho do universo acima dela a fez lacrimejar e fechar olhos meio vesga, meio desnorteada... Como se fosse pouca a vontade de chorar, o céu a invadiu e foi em sua nascente, trazer ao mudor seu líquor.
Abriu os braços e os sábios dedos das mãos logo passearam pela areia... Esticou ao máximo os braços, os dedos, então, traçaram linhas paralelas em direção ao seu corpo, na areia...
Com força esmagava aqueles pedacinhos de pedra entre os dedos, como vingança, talvez...
Deu-se ao luxo de rir das cócegas que aquilo fazia nas palmas das mãos. Esfoliava a vida.
A maré também tinha um som abafado... Mera lembrança de uma chegada equivocada, talvez.
Porque havia a deixado?
O que faria com os planos?
Lágrimas azuis pintadas de cirros eram sugadas pelos céus...
O que faria com as lembranças daqueles cachos, sorrindo, pra ela?
Refletia sobre si... Tirou um tempo dela mesma, para pensar sobre ela...
Sua alma cantava um jazz desesperado por socorro... Que valsa!
Teve uma vontade louca... Vontade de foder... Se doar a ela... entrar no melhor 'não pensar' humano. Deleite. Riu. Queria uma tequila. Lambe-la, beija-la, consumi-la. A roleta russa mental continuava...
Teve uma pontada súbita de ódio. Quanto ódio. Destetou-a com veemencia. Desejou que ela se explodisse...
O que fazer com você dentro de mim? O que fazer comigo dentro de mim sem você?
Levou as mãos sujas aos cabelos e passou por entre os cachos, puxando-os levemente.
Estava vazia. Transbordou à ponto de secar o que já estava inóspito. Odiava-a por amá-la.
Era mais inteso do que achou que cabia no seu abismo particular...
Porque não a amava o suficiente? Claro que amava.
Senão amor, o que era aquele sorriso? E aquele gozo? E aqueles olhos falantes?
Grandes coisas a gente diz sem usar palavras.
Não fomos feitos para sermos medidos... ou medidos de nenhum sentimento.
(tempo)
O céu agora era de um lilás acinzentado... Uma estrela solitária brilhava no fundo do céu.
Agora era só... Como a estrela... E estava no fundo do céu, entre o assoalho e a madeira da caixa, quase no vácuo de fora.
Tuuli sempre fora uma furacão que pouco durava.
Como poderia alguém querer tanto algo por tão pouco tempo? Dessa vez, ela fez quase tudo certo.
Se Liiv gostava de abismos, Tuuli vivia em queda livre.


Fez-se então, maremoto.
Achou-se.
Tinha em si a maior de histeria do mundo.
O jazz desesperado virou blues. Gargalhou para as estrelas. Sorriu para o universo.
 Fez mentalmente o provável roteiro do Cometa Halley... Mediu com as mãos. Tirou o cometa para dançar.
Para se conviver com um masoquista tem que dar a ele a dor necessária para ser feliz.
Pulverizou-se.
Suas células, aos poucos, fizeram o retrocesso telofásico e, por união, formaram grãos... Soltos. (vento)
Ninguém que passava por ali ousou ver. Foi lento.
O vento batia e aos poucos, ela ia indo embora naquela corrente.
Se fez pó, areia... Areia de vida... Rinite existencial. Um espirro de vida.
De um processo que começou de dentro para fora, de fora para dentro se fez pó até o vento levar... Infinitou-se ao infinito.
Do mar, do alto dele, veio uma forte rajada de vento que espalhou o pouco que restava dela pela areia, água e céu... E levou-a...
Um cisco da vida dela foi longe, oscilou quase nas estrelas, beijou quase o mar, dançou com o vento e no olho de Tuuli, que estava sentada muito longe em frente ao mar, foi parar. Na hora, não chorava. Mas veio um gostinho de Liiv no ar e caiu esse cisco no olho... Não teve jeito, o ventou sugou suas lágrimas. No blues louco da vida, suas gotículas se embalavam com o pó da sua outra existência e em passos loucos e giratórios foram vida no ar. Poeira cósmica de um amor para a eternidade.
Por mais forte que seja o destino, vento ele não impede... E o mar, eterno rebelde, espera o mínimo dos ventos para se maremotizar.


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Estilhaços de confetes

De vez em quando, a felicidade me atropela como um trem. Estraçalha-me. Acerta-me com um impacto tão grande que me faço em um milhão de confetes.
Um maremoto de sentir tremer. E esses momentos de devastação feliz nunca são aqueles em que eu estou mais eufórico, cavando felicidade em pedra.
São aqueles em que eu estou mais quieto, parado, acelerando as turbinas para o voo, dando toda atenção ao barulho da minha mente e pá: sou feliz. Sou grato. Sou corajoso. Sou sonhador. Sou voador. Sou poeta.
É uma pitada vulcânica de uma parte de mim que, normalmente, desconheço, mas que me faz entrar em erupção. É fermento. É solvente. É um grito. É um abraço. É gratidão. É um voar sem asas. É sair de si mesmo, pôr óculos corretivos de visão, olhar-se sendo outro, calcular, arredondar os cálculos e perceber que o percentual de erro ainda aponta pra um estado de alguma coisa que você não sabe dizer o nome. Não sabe porque felicidade é uma "coisa", um produto comercializado pelo mundo, com direito a genéricos e falsificações, mas ser feliz mesmo é não saber. É não ter dimensão do que se é, porque ser feliz, na prática, é atingir picos nunca antes atingidos pelos seus gráficos e, exatamente por isso, você não sabe o que é ser feliz. Lá um dia você rola ladeira abaixo, é atropelado por esse trem e saca que essa parada toda é mais simples do que dizem, nós que buscamos sempre algo que já tivemos (momento pós-não saber), mas uma felicidade nunca é igual a outra. E se felicidade for não saber, se buscamos uma coisa que sabemos, não buscamos felicidade. Estivemos tanto tempo errados...
À saber, te prepara: vem vindo um trem aí.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Poderia navegar, mas preferiu voar

Sempre fiquei encabulado com essa estória dos sacos de areia nos balões: tira-se irreversivelmente peso para voar... mas e a volta?
Acordei com essa idéia na cabeça.
Desde os últimos perdões, andava mais leve, mas ainda asism, pesado.
Levaram a caixa, mas acabamos sempre esquecendo alguma coisa...
Decidi, então, analisar meu "sacos de areia"... Aqueles que estão a tanto tempo pesando no balão que já fazem parte fisicamente dele.
Foi aí, então, que decidi voar mais alto, atirar os sacos de areia para que o abismo pudesse torná-los vento, redemonho ou meteorito. A cada saco jogado, então, o balão voava mais alto...
Um saco a mais atirado ao vento: conseguia ver o sol que insistia em se esconder atrás da montanha. Mais um céu abaixo e a minha mão quase chegava às nuvens... Mais outro e o universo azul se mostrava belo e longíquo ao meu ser.
Descobri em mim um ser mais sereno, capitão de um voo tranquilo ao universo da paz...
Muito tempo depois, entendi que se atiravam os sacos de areia ao infinito para não se ter peso e ser mais difícil de voltar, mesmo. Quando se voa assim, a preocupação em voltar é o de menos...

domingo, 27 de julho de 2014

Concessão de mágoas

Hoje amanheci com uma vontade de perdoar. Decidi fazer as pazes com as decepções e romper com o desamor, alforriar minhas raivas e prender mais a reciprocidade alheia. Decidi fazer uma dieta na minha consciencia e eliminar toda essa alimentação gorda que a fazia pesar cada vez mais. Minha obesidade eram mágoas.
Perdoar. Perdoar mesmo. Abstrair, esquecer, apagar, deixar que o vento se encarregue de transformar minhas tristezas direcionadas a pessoas específicas em mais vento, ventania ou brisa (brisa daquelas que nos acariciam o rosto e vem com um sorriso voando dentro). 
Decidi, por bem próprio, guardar sempre sorrisos das pessoas. Guardar mais os melhores momentos (aqueles que nos vídeos da nossa vida aparecem em câmera lenta) e deixar pra lá aqueles making offs que insistiam em nos lembrar que nem tudo é cem por cento sempre, embora, se já foi cem por cento em algum momento, já foi infinito e isso já é válido.
Decidi pôr em prática a regra geral do "nada se cria, tudo se transforma" de uma forma diferente. Por anos transformei essas mesmas mágoas em tristeza, frustração, retração, afastamento e maldade pra mim mesmo. Mas hoje o dia amanheceu diferente, com um sol claro tentando saír pelas frestas da vida negra das nuvens. Amanheceu transformando e cobrando de mim um alma leve e um sorriso sincero. Não tive como negar. Dei a ele o que pediu e percebi que quem recebeu fui eu mesmo. Brincalhão, esse dia. E tive raiva desse jogo estúpido dele comigo... E percebi que quem recebeu minha frieza fui eu. Percebi, então, que o dia era eu e que o sol era o que eu poderia ser se tirasse as negras nuvens que me/o encobriam. Recebo o que dou a mim mesmo.
Tomei, então, a dura decisão. Coloquei tudo em uma caixa, até as minhas decepções preferidas, abri a porta e coloquei na calçada para quem quisesse levar. Doeu, claro. Se não tomamos cuidado, nos viciamos em mágoas. Escrevi em letras garrafais um aviso na caixa: "LEVE. FAÇA BOM USO". De fato, extraí o máximo que pude de todas: do mais fútil ao mais complexo aprendizado. Mas os inúteis residuos estavam pesando minha alma e minha consciencia, criando uma nuvem negra em frente ao sol, degenerando por telefone-sem-fio célula a célula da minha existência. 
Separadas por tipo, coloquei um aviso em cada molho delas: USE COM MODERAÇÃO. QUANDO ESTIVER FARTO, DOE-AS PRA ALGUÉM. Pouco tempo depois que deixei, não estava mais lá. Fiquei curioso sobre quem havia levado. Mas tentei não pensar muito nisso.
Meu dia então, foi um groove de paz: mais sorriso, mais simplicidade.
Passei, então, a evitar as calçadas e os lixos. Fiquei receioso em encontrar uma caixa dessas.

sábado, 28 de junho de 2014

Não se metade


Tem uma coisa que me irrita muito: gente sem sal e sem açucar. Aliás, gentes. Gente que parece puxar uma tonelada para levantar os cantos da boca e sorrir. Gente que parece ter medo de usar o único bem que é seu e de mais ninguém: a vida. Gente que tem medo, receio ou tristeza de experimentar.
Porque se convido-lhe para acompanhar-me em uma festa e dizes a mim que estás desanimado, por favor, nem que eu insista insuportavelmente pela sua presença ao meu lado, não vá. Tenho náuseas terríveis - capazes de me levarem à morte súbita - ao ver gente com meio sorriso ao meu lado. Terríveis mesmo. Faz-me passar mais mal do que tenho passado. Então, se não estás disposto à sorrir cem por cento, não me venha com noventa e nove. Apesar de não parecer, não troco nada inteiro - nem sorriso, nem felicidade- por meias metades.
Leva-me à fadiga gente que tem um céu inteiro pra voar e se contenta com a mediocridade da terra. Antes de tomar qualquer atitude racional, coloca na sua cabeça um coisa: vida só é uma, aproveita e brinca com sua irracionalidade.
Se ser inteiro custa-lhe a sanidade, experimente ser feliz, por favor, mas não se contente com os noventa e nove. Se ser inteiro custar-lhe alto, pague! Parcele, anote, arrume um fiador - se eu já não tiver gastado tudo, serei com todo prazer - gaste todas suas moedas e pague à vista, se tiver, mas não se contenha com metades. Empresto, também, e se for feito muito bom uso, pode me pagar com seu sorriso, à vista, apenas. Sairei ganhando facilmente.
Gente que é pela metade causa-me indigestão, dor igual aquela quando a gente bate o dedinho no canto do móvel, ressaca igual aquela de vodca barata e sofrimento igual pancada no saco. Ressaca mesmo, de vomitar até. Se ser completo custa-lhe um oneroso auto perdão, perdoe-se. Se não dos felizes, de quem é a capacidade de se perdoar?
Se ser completo exige-lhe que saia da sua gaiola, experimente explodi-la. Se ser completo exige ser legal, experimente! Reza a lenda que recebemos do mundo o que damos a ele. Se ser completo exige que destrave-se de si mesmo, assim o faça, o mundo espera pelo seu sorriso completo e por sua feliciade autêntica.
Mas, se depois de tantas receitas e sugestões ainda insiste em ser metade, faz-me um favor, não tente roubar uma metade de mim para ser completo. Faz mais: não cruze meu caminho. Guarda teu metadismo contagioso longe de mim.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A subversividade do "Lepo Lepo"

(O conhecimento da música, antes da leitura, é de grande importância para o entendimento do texto. Caso não conheça, aperte play no vídeo abaixo).



A palavra que saiu do universo dos livros de história (daquele período dos reinados, principalmente) e passou a ser, sem dúvidas, um dos símbolos da atual geração é a "ostentação". Etimologicamente, o termo deriva do Latim "ostentare" e significa "mostrar". Refere-se principalmente à exibição de luxo ou riqueza com vaidade e pompa. Toda essa recente popularidade do termo se deve, em parte, à um empresário com sua intelecção inversamente proporcional à conta bancária que fez um vídeo ostensivo,  para uma revista, sobre seu estilo de vida cheio de Ferrari's, bebidas caras e claro: camarotes. Uma cachoeira de futilidades banhadas à ouro. Eu duvido que nos últimos meses você não tenha ouvido a combinação de palavras "Rei do camarote" e não tenha "agregado valor".
Faça o teste: abra seu Instagram (você não tem 'insta'? como assim você não tem esse mostruário da pavonada?) e pesquise no campo de busca a palavra "Ostentação". Neste exato momento em que escrevo esse texto, o mecanismo de busca apontou que a Hastag #ostentação foi citada no aplicativo cerca de 61.682 vezes (sim, sessenta e uma mil seiscentas e oitenta e duas). Somando-se as variações da palavra (sem/com o acento, sem/com o cedilha, etc) chegamos ao número de 93.607 vezes em que o termo chegou a ser utilizado na rede social. 
Tantos números e a troca das "Selfies" pelas "Braggies" são a prova da presença constante da ostentação no nosso dia a dia, atualmente. Não entendeu nada? Calma, vamos atualizar seu dicionário da ostentação. Selfies (que, por sinal, foi eleita a palavra do ano de 2013 pelo dicionário Oxford) são aquelas auto-fotografias que tiramos e postamos na rede. Tipo essa minha no perfil do blog. Você também deve ter uma. Já as Braggies são aquelas fotografias, literalmente ostensivas, tiradas com o objetivo de provocar o sentimento de inveja nos amigos ou nos seguidores. As principais braggies são aquelas de drinques e de poses na praia, segundo minhas pesquisas na internet. No final de tudo, o que isso quer dizer é que: não importa o rosto ou a personalidade, quando se tem um caríssimo drinque ao nosso lado, numa foto tirada em uma praia belíssima, com duas mil curtidas no Instagram. Chegamos à tal ponto, que até um "estilo musical" foi inventado a partir desta temática: o Funk ostentação. Dispensa comentários.
Toda essa opulência denuncia a curiosa carência humana de ser alguma coisa e, mais do que isso, de mostrar a todos que somos alguma coisa. As braggies são a ponta do Iceberg de uma necessidade humana, ancestralmente herdada, talvez, de se sobressair aos nossos semelhantes. Não temos culpa por pensar assim. Somos resultados de uma mentalidade construída centenariamente e de uma "maldita" seleção natural que trouxe até aqui os mais aptos (sendo aptidão à sobrevivência diretamente proporcional ao poder aquisitivo). Seus próprios pais mandaram você estudar a vida inteira para "poder comprar as coisas que você quiser no futuro" ao invés de "estude para ser feliz!"... Tudo capitalismo selvagem.
O curioso é que, por anos, já ostentamos ao mundo inteiro cantando "moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza" e agora, subversivamente, o provável novo hit do carnaval é o Lepo Lepo, da banda Psirico: uma música simplista que, em tom de confessamento, põe em xeque o real interesse nas relações humanas e vai contra essa nova linhagem de pseudomúsicas que a cada dez palavras, 7 são nomes de bebidas caras. Pseudomúsicas que, por sinal, dão origem a pseudoestilos de vida.
A graça deste novo hit está, ainda, em ser feita para atingir a grande massa e conseguir alcançar todas as classes sociais, sem distinção: do ostensivo endividado ao último na fila que classifica em relação ao poder aquisitivo... Impossível não se identificar (mesmo que em segredo) com a vontade de ostentar, inata da personalidade humana, mas com a dificuldade em fazer isso. Seria o Lepo Lepo a Queda da bastilha contra o modelo de vida ostensivo a que levamos? Ok. Exagerei um pouco, mas que vendo por este ângulo Marx adoraria dançar um Lepo Lepo, ah, ele adoraria!
No entanto, apesar da subversividade do Lepo Lepo, não há motivos para tanta comoção. Certamente, não é uma única música que vai extinguir a culpabilidade existencial que é saciada quando um ser se mostra superior a outro. Além disso, contraditoriamente, o próprio eu lírico da música, por si só, já ostenta e grita ao mundo que o 'Lepo Lepo' dele é bom o suficiente para manter a mulher com ele (a subversividade do subversivo... irônico). Que se danem as propostas utópicas de amores felizes... Na pirâmide ostensiva, o sexo e as mentes vazias são a grande base e, infelizmente, certos ritmos musicais superficiais são apenas o rótulo de mentes infinitamente piores.
E não adianta se refugiar nos livros, nas músicas de Beethoven e em outras obras de arte. Até isso, hoje em dia, é ostentação. Mais do que nunca, consumir arte e ser pseudosubversivo rende curtidas e boas impressões com os futuros parceiros de "Lepo Lepo". Pesquise a Hastag #claricelispector no Instagram e verás.
Audous Huxley disse, muito bem dito, por sinal:
"A ditadura perfeita, terá aparência de democracia, uma prisão sem muros, na qual os prisioneiros nem sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor a sua escravidão". 
Assustadoramente, estamos cercados por todos os lados, sorrindo inocentemente da nossa ditadura geneticamente ensinada... aliás, chega a ser socialmente ariscado sonhar com outro conceito de felicidade, senão o da ostentação. Estamos tão alienados que nossa culpabilidade existencial cegou o conceito de felicidade e em seu lugar, pôs uma sádica e controversa invenção humana: o capital... Na verdade, somos todos cultos o suficiente para não assumir, mas vazio ou não, do Rei do camarote ao eu lírico da música, estamos todos atrás do Lepo lepo... E neste ato, talvez, esteja o juízo final de tudo isso: nessa hora, não tem Rolex, camarote ou braggie que importe (e até que se prove o contrário, a conta bancária em nada tem relação com a execução do ato). Que a semente da subversividade esteja plantada...

Agora vou atualizar meu 'insta' com minha nova braggie: escrevendo esta postagem. Curtam, por favor.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Somos tão velhos





A única coisa que temos certeza na vida é que envelhecemos... Sobre a morte, talvez, nem tenhamos tanta certeza assim, mas sobre nossa senescência, ah! Dessa temos convicção.
E aí, achamos que envelhecer é sinônimo de amadurecimento. Pode procurar aí no seu dicionário Aurélio edição especial, ou no Google, que seja, uma coisa não necessariamente é sinônimo da outra. Até hoje, mal sabemos o que é amadurecer, quem dirá termos a ousadia de inferirmos um sinônimo para algo que não entendemos.
De fato, a velhice é a principal responsável por nos estereotipar durante nossa existência, seja na fila do banco, seja no estado civil. Interessante é que sabemos exatamente diferenciar um idoso com 60 anos de um jovem de 16, de cara, mas não existe uma linha bem definida que separa o jovem do velho. Cometemos o terrível erro de acharmos que velhos são, unicamente, aqueles que escutam músicas de gerações passadas, têm hábitos antiquados, são tradicionalistas por natureza e confundem, vez por outra, nosso nome e a ordem de alguns acontecidos. Mero engano... A velhice, por mais irônico que seja, é algo atemporal em nossas vidas e mesmo o mais jovem, já guarda em si a mais fatídica senilidade. 
E de uma hora para outra, assim, num lapso - tic -, aqueles que nos acompanharam com maestria e erudição durante toda a vida, passam a se enquadrar lentamente no nosso errôneo conceito de velhice: passam a ter a cabeça dura, dar trabalho por não seguirem aquilo que recomendamos, a trocar nosso nome e a esclerosar os hábitos outrora perfeccionistas: tudo um engano nosso.
Desde o dia em que sua mãe reclamou a primeira vez sobre a forma que você guardou a louça diferente da dela, já era velhice e só agora você se deu conta.
Querendo ou não, estamos muito à frente dos nossos pais. Certo dia, um professor meu falou isso... Discordei, de cara, mas hoje faz completo sentido. Somos da era da instantaneidade, do online e da 3G. Temos, muitas vezes, a compreensão científica sobre aqueles acontecimentos que antes só eram sabidos empiricamente por eles. Daí, sabemos que cigarro, mais do que nunca, é um fator que aumenta em mil vezes a probabilidade de câncer de pulmão e de todo o aparelho estomatognático, sabemos que óleos para frituras, quando muito utilizados têm acroleína que causa prejuízo à saúde e que se automedicar é uma faca de dois gomes. Como você os ama e quer o bem deles, claro que vai tentar instruí-los para evitar todos esses possíveis malefícios a que você teve o privilégio de ser sabedor. Resultado? frustrante... Não tem jeito:

- Mãe! a senhora já está tomando esse remédio por conta própria de novo?  Não já disse que não fizesse isso!?
- Deixa de besteira, menino, só essa vezinha! 

(Essa vezinha, todas as outras que tomou antes de eu falar e todas as que vai tomar quando eu não estiver por perto. Ok!)

Repito, não há jeito. Seu pai ainda vai preferir você dando continuidade ao trabalho braçal dele a ver você investir em uma nova profissão que vai proporcionar uma qualidade de vida mais ampla a você e até a ele mesmo. Seu pai não vai usar protetor solar fator 50 toda vez que for sair ao sol, não vai obedecer a plaquinha do "Não pise na grama" porque ele sempre pisou e ela nunca morreu, "não tem pra quê inventar essa frescura".
 Mais do que mudar um "habitozinho", para eles, é mudar toda uma cultura construída ao longo de toda uma vida. Definitivamente, não é da cultura deles receber e acatar conselhos daqueles que eles trocaram as fraldas, viram crescer e agora são metidos a bestas. Desde quando você aceita conselhos de crianças de 5 anos? Então, meu amigo, você tem que aceitar a falta de aceitação deles (e com um enorme sorriso de gratidão no rosto por tê-los ao seu lado até o presente momento).
É nessa hora que entra em ação o verbo amadurecer. Não adianta você saber sobre Acroleína, Condrodisplasia Punctata Rizomélica e Adenocarcinoma Polimorfo de Baixo Grau, se você não tem o mínimo discernimento de entender seus pais nesses momentos e, mais do que isso, de conviver com eles após entrarem nesse estágio que consideramos pejorativamente de caduquice. Nada mais triste do que ver um ser humano, por desentendimento próprio e, consequente, desaceitação dos seus pais, se desfazer dos seus.
Não tem para onde correr, entendimento é a chave do negócio: é abraçar sua mãe depois que ela falou uns vinte minutos raivosamente sobre qualquer estresse bobo. É recolocar a plaquinha "Não pise na grama" quantas vezes seu pai tenha tirado. É insistir, ainda assim, de forma amável, para que ele use o protetor e os óculos escuros para o olho em que ele fez uma cirurgia. É entender que você pode não ser o filho que seu pai almejou, mas que, ainda assim, vocês vão continuar a se amar reciprocamente de forma indefinida. É entender e conviver, com todo o bom humor do mundo, mesmo não compactuando com aquelas atitudes, afinal, você ainda vai se pegar dando uns carões no seu(a) irmão(ã)/primo(a)/sobrinho(a) mais nova de uma forma exatamente igual àquela que seu pai brigou com você 15 anos atrás.
É, meu jovem, também envelhecemos... E, pasmem, albergamos em nós tanta velhice quanto nem imaginamos e sem linha, nem fronteira, nem alarido, em mais hora ou menos hora, seremos nós reclamando do tempo perdido, dos hábitos "desnecessários" dos nossos filhos e da "besteira desse povo de hoje em dia".
Você pode ser um marmanjão de 30 e tantos anos, cheio de barba nessa cara mal lavada, com filhos até, mas você será o eterno bebezão da sua mãe e quando você for sair para viajar de carro, ela ainda vai te dar as mesmas instruções que dava à dez anos atrás. Como ter raiva de tanto amor? Definitivamente, não há fronteira que separe o jovem do velho.
Chegamos, então, à provável conclusão de que amadurecer, talvez,  não é saber muito sobre essas coisas estranhas a que chamamos de relações humanas, apenas por ter experienciado um número infinito delas e saber lidar com maestria em cada peculiar caso. Amadurecer, quem sabe, seja o entendimento de que não se pode mudar mais certas coisas nesta existência, mas que podemos aceitar e mudar a nós mesmos para que possamos conviver com estes pequenos desafios insuperáveis, que teimamos em não admitir que existem, que são os fatos diários.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

(Paulo Leminski)