sábado, 19 de outubro de 2013

Manifesto por um mundo com amores mais barulhentos

Não sei amar em silêncio. Por mais que eu tenha que passar o resto da vida tendo que gastar com palavras o que era pra ser gasto com vivência, não consigo deixar para depois a vontade de dizer, confessamente, que amo alguém. A não ser que a pessoa esteja em um relacionamento sério e eu não esteja nenhum pouco afim de torná-lo engraçado, claro.
Passamos a vida tão no vermelho, para adiarmos isso, não acha? 
Alguém já disse por aí: "Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida". Concordo em gênero, número e grau. 
Quantas e quantas noites não foram salvas assim?
Quantos sorrisos não foram ganhos e retribuídos desta forma?
Quantos suicidas se transformaram em tristezicidas após um "amor" verdadeiro?
Porque, se pararmos para pensar, tudo que buscamos na vida é amor e suas infinitas variantes.
Foi no dia em que saí de casa (atrasado), entrei no ônibus, e menos de 1 km depois deparei com um acidente, que percebi que amor é o que nos salva mesmo da existência. E que é exatamente isto, com diversas roupagens,  que buscamos.
Eis que em um polêmico cruzamento, dois carros colidiram. Os motoristas, então, que nada sofreram, e deveriam sentir-se amados o suficiente pela vida por conta disso, começaram a discutir sobre quem estava errado. Lembro bem de uma idosa pálida que havia em um dos carros, nervosíssima pelo ocorrido. Mas nisso, os motoristas não reparavam. Vociferavam palavras um ao outro, com uma centena de pessoas à assistir e gritar pedindo que tirassem os carros do meio para que pudessem seguir suas vidas nada amorosas. Uma balbúrdia.
Foi então, que ambas as esposas dos dois briguentos, trêmulas e chorando, rodearam os carros e se abraçaram. Foi um nocaute massivo. Uma centenas de caras acertadas de uma só vez. Na hora, só pude sorrir, embora minha vontade fosse descer e abraçar elas. O exército do ódio caiu por terra e os motoristas se entreolharam e riram. Tudo ficou bem, vexame resolvido, continuaram suas vidas. Tá vendo? Simples: amor. Só buscamos menos burocracia para nossa vida e mais amor, senhora Presidente!
A partir daí, passei a observar verdadeiros 'pequenos heróis do amor' no nosso dia a dia e a analisar o quanto isto é algo substancial. 
Foi amor quando vi a mãe de um jovem cadeirante, morrendo de rir de felicidade, ao colocar ele, desajeitadamente feliz, em uma cadeira de dentista e ver a realização dele naquele momento.
Foi amor quando vi um casal adolescente dando um puta amasso na parada de ônibus lotada sem ligar pra ninguém.
Foi amor quando vi um casal de idosos namorando na praia.
Foi amor quando vi um pai e uma mãe, com seu bebezinho de poucos meses de vida no ônibus, e o pai trocou de lugar com a mãe porque o sol estava incidindo no garotinho.
Foi amor quando vi uma mãe sorrir com carinho e escondida, vendo a filha, antes triste, sorrir.
Foi amor, muito amor, quando eu decidi me desarmar para viver um amor.
Podemos nos tornar, quem sabe, nossos próprios heróis do amor, não acha? Se o amor, este que pode ser asas e abismo na vida de qualquer pessoa, é tão urgente, não escondamos nossa urgência e sejamos salvo pela nossa própria emergência, afinal, amor é um exercício constante de emergir aquilo que teimamos em manter imerso no nosso mar particular.
Por isso, me peça para gritar e me chantageie dizendo que vai berrar ao mundo nosso amor, mesmo que ninguém possa saber, mas não me peça para amar em silêncio. Barulho sempre é alguma coisa, mas silêncio, nem sempre é algo. Vamos! Chantageie-me, compre-me com suas afrontas apaixonadas, seus devaneios poéticos, torne-me seu herói do amor, mas, por favor, não me torne apenas um expectador silencioso das suas desventuras apaixonadas. 
Também não gosto de monotonia e de mimimi adocicado, não ache isso. Amor deve vir em lugares cabidos, assim como o sal, a pimenta e o açúcar na nossa dieta, principalmente para os hipertensos. Não é porque acredito na sua valia, ainda que gasto com palavras, que o gastarei à toa.
No entanto, deixar de dizer algo tão raro e tão bonito, quando verdadeiro, pode ser uma tremenda sabotagem consigo mesmo e, se consegue calar diante da urgência que é, não se iluda, não é amor.

domingo, 13 de outubro de 2013

Letras à se fazerem voo

Amor em tabelas é quadrado.

           Prefiro
        um
            amor
                  em
         espiral.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Metalinguagem

Cansei de fazer poesia escrita,
agora quero fazer poesia vivida:
gestos em versos,
sorrisos rimados,
amor com neologismos,
aprendizado como epígrafe,
vida com ritmo compassado
{mas sem rimas A/B A/B, porque são monótonas},
prazer como inspiração e
felicidade com licença poética.

Tac Tac

Todos os nossos dominós
enfileirados. Somos.
E a vida sopra, e venta
e derruba.
                 Caímos.
Mas até o dominó das
angústias cai.
E passa, e segue e vive.
E vive.


sábado, 21 de setembro de 2013

Achou que foi em 2004 que a vovó parou de andar. Simplesmente não conseguia mais, ela nunca foi muito ativa, dessas avós corre-mundo de novela, fazia mais o tipo avó de palavras-cruzadas, rezas católicas, Roberto Carlos e jogos do Internacional no radinho de pilhas. Meu avô era o oposto, estava sempre zanzando, sempre trazendo algo novo da rua, ou o usual hálito etílico da birita dominical com seus cupinchas de bar (quantas vezes ouvi a ordem “o almoço está quase pronto, vá buscar o seu avô!”). Eles não admitiriam – nem poderiam, entre tantos outros – mas sempre me senti o neto predileto, eu estava sempre por perto, era amoroso, gostava de brincar com os lóbulos molengas dela e assistir filmes de bang-bang e jogos de vôlei feminino com ele. Um dia meu avô me chamou no quarto. Supostamente minha avó não queria se levantar para tomar o último café do dia, e a lenga-lenga estava o deixando irritadiço. Então eu tive de dizer “ei, vô, a vó não caminha mais” e ele ficou meio confuso, as mãos na cintura, ofegando. Não deu outra, após alguns exames detalhados, o diagnóstico foi o tal do Mal de Alzheimer, coisa que só se dava com o avô dos vizinhos. Com mais alguns anos, minha avó deixou de se alimentar como um adulto, passou a se comunicar apenas com gemidos e sinais. E meu avô foi esquecendo quem eu era, quem era todo mundo. Só não esquecia da sua “Deusa”, como ele dizia, que estava sempre ali, na poltrona próxima à janela. Era um tanto irônico. Ela, com a memória de ferro intacta, vegetando. Ele, pra lá e pra cá nos corredores, perguntando às enfermeiras que horas o carro chegaria para levá-lo de volta para sua casa – onde ele já estava, de onde dificilmente saia. Na cabeça dele, estava, vai saber, na agência de Correios onde sempre trabalhou até uns 30 anos atrás. O tempo foi passando, ele deixou de assistir filmes de bang-bang, foi ficando cada dia mais esquecido, mas agressivo e impaciente, às vezes protagonizando umas cenas engraçadas, que a gente ria antes de chorar. Mas sempre zanzando. Corredor, cozinha, porta da frente sempre trancada, corredor, sala, banheiro, quarto de dormir. Como se estivesse num lugar nada residencial, trancado fora do mundo que levou décadas para construir. Então a vovó pegou uma pneumonia. Aí melhorou. Ficou ruim outra vez, os antibióticos não funcionavam. Até que me ligaram no meio da noite. “Ela piorou muito”, eu sabia, era apenas um eufemismo de quem não sabe como dar a notícia. Ao chegar no quarto, o rosto frio de quem não havia sofrido muito, os socorristas preenchendo formulários, legalizando o sono eterno. Ele deitado do lado, olhos fechados e o neuro-tique de mastigar as gengivas, sem nada desconfiar. Igual ele não discerniria, seria árduo explicar a diferença de vida e morte a um velhinho agredido por uma doença degenerativa avançada. Foi consenso não contar, às vezes a realidade apenas traz dores desnecessárias, felizes são os que vivem no mundo da lua. Pela manhã, enquanto ele contava piadas na sala, a funerária passou com o corpo. Isso foi há umas duas semanas, mais ou menos, e até hoje ele não perguntou por ela. Parece feliz, daquele jeito dele, dias bons, dias ruins, nenhum é igual. Não sei se foi o certo a fazer, mas foi o melhor. Há casos em que a correção não alivia o sofrimento de ninguém. Mas uma coisa me veio à cabeça, enquanto o padre fazia a extremunção divertindo o pessoal melhor do que faria Jerry Seinfeld, um verdadeiro showman. Será que ela não segurou a barra de viver entrevada esse tempo todo só para morrer quando justamente não o faria sofrer? Impossível saber, mas eu acho que sim, seria uma prova de amor contundente no meio dessa matilha de relações egoístas. E, apesar de não crer muito nessas coisas, também gosto de pensar que ela foi para um lugar melhor. Um lugar onde as pessoas lembram do seu nome.”

Gabito Nunes.

sábado, 31 de agosto de 2013

O Sábado do Cícero


Este sábado, dia 31 de agosto, foi um dia que finalizou a longa espera de um público que aprecia composições minimalistas e com palavras excessivamente carregadas de significados: foi lançado oficialmente o segundo CD do cantor Cícero.
Para fãs que, assim como eu, o acompanham desde o seu primeiro registro, intitulado Canções de Apartamento (e que já foi citado em algum post desse blog) este sábado foi de espera. No entanto, ao apreciar o produto motivo da nossa expectativa, percebemos que qualquer tempo que esperássemos por isso, ainda estaria dentro dos limites, pois a obra é de um primor esplêndido e é digna de fazer qualquer um aguardar.
O próprio Cícero citou por aí que a sonoridade do disco remete àquele horário no fim da tarde em que tudo fica em paz, nem escuro, nem claro, nem quente, nem frio (eu, particularmente sou apreciador nato desse momento). Como ele mesmo afirmou, este momento dúbio é uma metáfora sobre sua personalidade e as músicas desse disco são um pouco disso.
De fato, ao se ouvir as canções, não tem como não lembrar de uma tardinha qualquer por aí, na beira da praia ou não, quando o sol de maduro já caiu e a lua com preguiça ainda não apareceu e quase tudo que tinha para acontecer naquele dia já aconteceu. Uma estranha onda de calmaria preenche o céu juntamente com um degradê lindo que parece aflorar nosso sentimentalismo e trazer à tona as angústias, medos e expectativas que somos nós. Geralmente essa é a hora que temos tempo de ser nós mesmos, quando não necessitamos de incorporar nosso personagem do trabalho ou das nossas outras obrigações diárias. E, sem dúvida, a cada verso dessa obra, nos achamos e vemos surgir dentro de nós, a partir dos nossos ouvidos, toda a sensibilidade capaz de sentir tudo aquilo que não percebemos que sentimos, mas que em meio a palavras, dedilhados de violão e uma percussão primorosa podem ser encontrados.
Parece, aparentemente ser um disco mais 'limpo', com uma sonoridade mais centrada em dedilhados, sem grandes emoções, no entanto, isto é algo completamente subjetivo e vai da capacidade de cada atento - ou não- ouvinte de sentir.
O que acontece, na verdade, é que este é um disco repleto de pequenas chaves e fechaduras que só com o escutar, ao longo do tempo, vamos descobrindo, abrindo novas portas e conhecendo novos territórios aonde nem imaginávamos que existiam. Nisto, este disco completamente se assemelha com seu antecessor - Canções de Apartamento- , onde a cada nova escutada, dependendo da frequência sentimental do ouvinte, um novo som é equalizado, um novo antigo verso faz sentido e um vocal surge trazendo uma alforria para nossas brigas internas. Esta é uma das partes mais incríveis de se escutar Cícero: o disco é sintonizado de acordo com nossa frequência sentimental.
Abstrações extremamente casuais e momentâneas parecem ter sido captadas em câmera lenta e traduzidas em música e este é, talvez, o motivo de causar o sentimento de "preferia o CD anterior" que observei nas palavras dos fãs, nas redes sociais. Diferentemente das músicas do primeiro registro, em que ele canta versos mais digestíveis a primeira escutada, este traz versos menores, compassos mais curtos, trocadilhos mais subjetivos e uma obra, consequente, com um nível mais elevado para ser degustada.
A incrível faixa Ela e a Lata, por exemplo, parece ter sido exacerbadamente pensada e do título ao ritmo - semelhante ao do veterano da MPB Gilberto Gil - transcreve uma poesia medonha que só é mostrada ao ouvinte capaz de ouvi-la. São tantos elementos que compõem a mensagem que o Cícero quer passar, que até a sonoridade com um tropismo para o lado do Gilberto Gil, traduz a cara social desta canção.
Não se enganem, tudo foi pensado.
 Ao utilizar de versos como "à burulhar, ela / as perna magr'Ela, / vida amar'Ela / ô vida má.../ Vou sair pra passear...", transgredimos em poucos minutos através da cena de um observador - o eu lírico - vendo uma provável catadora de latas.
 Durante a canção, ele analisa todo seu aspecto mórbido ( como visto no verso "as pernA magr'Ela" - até o cuidado de tirar o S da primeira palavra foi tomado para traduzir o vocabulário daquele ser esfarrapado a ser observado, refletindo a classe social extremamente renegada a que ela se encontra), conclui que a vida "a ama" para não leva-la dessa efêmera existência de vez ( como pode ser observado no verso "a vida amar'Ela"), na sequência temos o trecho "ô vida má..." que remete ao quanto a vida pode ser má com algumas pessoas (nesse momento, podemos presumir que o eu lírico se sente mal por presenciar aquele estado desumano), no entanto, após mais alguns segundos de melodia o verso "Vou sair para passear" com tom despreocupado é disparado pelo eu lírico e a grande jogada dessa música talvez está nesse minúsculo verso que traduz o egoísmo humano (o expectador foi capaz de observar a condição subumana a que o outro - a catadora - se encontrava, se sentiu mal, mas preferiu sair para passear e esquecer daquilo à fazer algo para mudar a realidade dela).
São chaves e fechaduras assim, que quando encaixadas, mostram a nós o nível elevadíssimo de composição a que Cícero chegou e que enche o nosso Sábado.
A abstrata faixa Asa Delta nos mostra uma espécie de poesia musicada - poesia esta que no encarte adquire forma de asa delta, realmente- e é formada por uma abstração tão íntima e tão metafórica para a existência, que só os ouvidos mais atentos serão capazes de captar o silêncio inicial da faixa sendo irrompido por um barulho mais urbano como um pouso de um voou de Asa Delta. É uma faixa repleta de minúcias que literalmente sai do mundo da música para o céu nas ultimas palavras cantadas: "Eu voo..."
A canção Fuga Nº4 nos mostra uma divagação sobre o mundo e as verdades ou ausência delas. A poesia se torna palpável no verso "O destino, o tempo inteiro envergando a verdade" em que no encarte está realmente como se fosse um sólido envergado, sendo o verso "A verdade dorme cedo" a base que sustenta todo esse envergamento. Você tire suas próprias conclusões, a partir disto.
Não só as poesias abstratas merecem destaque nesta obra. A sonoridade também, uma das marcas do Cícero, é bem ímpar. Na faixa Frevo Por Acaso, por exemplo, palmas foram sabiamente encaixadas e se tornam uma percussão incrível. Na faixa Para Animar o Bar, um ritmo mais alegre - remetente aos Los hermanos - se faz som e acaricia o ouvido do expectador.
Além disso, sábias utilizações das palavras podem ser encontradas por toda a obra - característica essa que, na minha opinião deixa a obra mais rica e rompe os limites entre quem escuta e quem compôs. A doce canção Por Botafogo, por exemplo, tem um verso bem notório: "Mas se o tempo der, posso avarandar seu tédio..." que remete às características agradáveis e livres das varandas 'avarandando' o tédio e tornando este mais feliz e suportável.
Definitivamente, a áurea mágica e misteriosa do fim da tarde de um sábado - imagem sinestésica que compõe a própria capa do CD- foi transcrita em música e isso torna-se mais perceptível ainda ao se degustar essa mantra neste horário, com um espirito livre e ameno. Recomendo... Terapia melhor, não há.
São por estes e muitos outros incríveis detalhes que concluímos de vez que esta é uma obra, no mínimo primorosa e meticulosamente montada para o ouvinte.
Sabiamente, Cícero soube combinar diversos elementos com versos curtos - extremamente carregado de sentidos - resultando em algo mais maduro e "pé no chão" que seu disco anterior, no entanto, que exigem uma maior capacidade e sensibilidade por partes dos ouvintes.
Quase que com certeza, Cícero vai continuar a estrelar a lista das principais promessas da Música Brasileira e, se souber usar ainda mais do seu incrível talento, vai continuar a nos presentar com outros discos tão mágicos e minimalistas quanto esses dois primeiros. Admito que torço muito por isso.
Outra coisa bastante legal e bem característica dele, é a disponibilização GRATUITA do seu trabalho para download. Se você não conhece ou não tem um desses dois CD's dele, basta entrar no site www.cicero.net.br e se deliciar com essa música que acalma a alma.

domingo, 21 de julho de 2013

O doce após o salgado


Não quero que meu casamento seja um mero acidente capitalista ou, quem sabe, consequência de atitudes  de jovens outrora apaixonados. Não quero ter que sobreviver 20 anos com alguém por consideração a 3  anos iniciais que foram realmente vividos. Não quero que ninguém me deva ações por eu cumprir minhas obrigações.
Porque amor é pêndulo, tic-tac do relógio, balança de bandejas que desregula. Muitos (sobre)vivemos achando que amor é digno de extremos. Amamos catastroficamente, odiamos subitamente.  Amamos catastroficamente, odiamos subitamente. E vamos nesse pêndulo; uma alternância cordial que põe em xeque aquilo que o ser humano mais teme: a solidão.
Porque se tem uma coisa que nós amamos é a contra-sensação. Amamos um salgado após o doce massivo, salivamos diante de um sabor açucarado após um paladar amargo, amamos um amor torrencial após um ódio tempestadiano.
Pare e pense se você não conhece um caso semelhante a este: o carinha está largado em relação ao relacionamento. Ela, chateada, decide "dar um gelo" nele. Não liga, não fala, não dá atenção. Resultado? O cara fica só, sente um puta ódio e depois, percebe que a ausência dela grita. Quase como uma vingança contra si mesmo, dá a ela uma dose sobrecarregada de amor, após o ódio. Vice-versa. Ela largada, ele "dá um gelo", ela o ama intensamente. É bem aí que se faz prática a teoria do doce após o salgado.
Retroceda e lembre o dia em que o almoço tinha tanto sal, que você aguardava ansiosamente pela sobremesa doce. Por fim, quando esta veio e você saboreou-a, entrou em um êxtase. Admita, essa quebra de sensações é um deleite! O amor estraçalhando o sabor do ódio é um orgasmo indescritível também, devo dizer.
O problema disso tudo está em o amor (metaforicamente, nosso doce) passar a ser mais a sobremesa da relação do que o prato principal, e aí passamos longos períodos ressecando nossos lábios com sal ao invés de nos lambuzarmos com açúcar. Seguimos por longos períodos nos enganando e engando o outro, tendo que aturar momentos de ódio para termos uma pontinha de amor vulcânico. Inteligente mesmo é quem engana a si mesmo para ter o que quer.
O outro problema disso tudo está na exaustão. Sim, esse é um dos poucos casos em que a repetição leva à exaustão, mas não à perfeição. Com o passar do tempo, principalmente nas relações mais duradouras, como os intervalos de salgado tornam-se mais amplos e constantes, o prazer adocicado torna-se cada vez menor e com menos emoção. Além disso, muitas vezes um amargo desesperador substitui o salgado, como isca pelo doce. Seguimos nesse pêndulo até que a exaustão tira o sentido da existência do pêndulo. Nossas relações passam a ser um mero acidente de quando nossa enganação particular funcionava ou de quando nem existia pêndulo e já vivíamos no melhor dos extremos da história. E aí, passamos longos anos tendo que sentir um gosto amargo como fél, dividido em muitas suaves prestações, como consequência da nossa enganação sobre o amor. Você decide.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

L'appel du vide

Tudo que exige ineditismo de mim, me cansa. Não me venha com roteiros, manuais de instruções, passo a passo. Não gosto de felicidade ensaiada, aliás, esta, pra mim, nem é felicidade, é teatro. Não gosto de nada que é pedido, não gosto de nada exigido. Nada que seja meticulosamente programado. Odeio tudo que me generalize, que me faça ser a mesma coisa por muito tempo. Odeio rotina, odeio tabelas retas e formas que fazem tudo sempre do mesmo jeito. A graça da vida é esse errado deliciosamente acertado, é esse belo bater de asas torto das borboletas. É o decadente atraente. É o gauche de Drummond. Porque tudo que é bonito, é feio ao ponto de causar uma estranheza bela e tornar-se bonito. 
A graça da vida é esse rabisco feito sem régua que entortou a ponto de você ter que inventar um novo desenho em cima dele para encobrir e, no final das contas, ficar melhor do que o traço inicial ensaiadamente reto. A graça da vida é a transitoriedade, os picos, as curvas sigmoides do gráfico seguidas de estonteantes depressões e de picos estratosféricos.
Odeio tudo que faz ser o eu que sempre fui. Odeio ter que justificar sempre o que eu odeio. Detesto padrões. Detesto atitudes "protótipo". Eu gosto daquilo que é, para mim, um campo em que o m'EU pássaro possa dar voos cortantes e rasantes profundos, com as asas abertas ao máximo, sem medo de esbarrar em grandes de gaiolas. Talvez seja por isso que a estranheza bela de abismos me atraem, "um vazio antitético cheio de coisas".
Talvez, no final de tudo, eu só leve a vida a sério demais. Só viva tanto tudo que esqueço de viver. Talvez só  passe pela estrada sem ter a ousadia de diminuir a velocidade e admirar a paisagem. Talvez todos os meus ideais de liberdade, de vida, de voos e felicidade sejam só utopias particulares que me afagam e deixam a vida insalubre mais utopicamente sobrevivível. Talvez só cedo amigavelmente porque a minha maior vontade é contrariar grotescamente. Talvez só tenham o meu silêncio aqueles que são dignos a receber meus maiores gritos. É porque sou assim mesmo, randomizado, estatisticamente improvável. Ou tão provável que contrario toda a probabilidade improvável dos outros. Sou uma abulia crônica.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Tecnologia de ponta


Sou fanático por tecnologia, admito. Sou desses que adoram micromáquinas que te apresentam uma gama de utilidades que nem eram imagináveis pouco tempo atrás, qualquer nova engenhoca que nos faça experimentar novas impressões ou, quem sabe, aquelas que consigam tirar de mim um "era só o que faltava  mesmo!". Sou fã.
Aí agora (já não tão agora assim) chegam essas telas que ou nos arrastam para dentro delas ou expulsam o que contém para cima da gente, coisa de doido mesmo.
Imagino, de vez em quando, o que meu avô acharia disso tudo. 
Devaneio à parte, que baita tecnologia! Bastam duas lentes, uma tela com um colorido bizarro e ta-ram! (leia-se com aquele tom clichê de passes de mágica de desenhos animados) Alice e Wonderland inteira se fazem ao nosso lado, fagulhas passam raspando e tiros (poxa vida, esses são de matar) vêm em nossa direção. 
Vez por outra aparecem aqueles 'especialistas' na TV ou em revistas com aquelas frases sensacionalistas do tipo: "Adeus cinema antigo" ou "3D, a nova era da imagem". E há quem diga, em letras garrafais, que esse obsoleto 2D (sim, esse tipo de imagem que eu e a maioria dos brasileiros ainda têm em casa) esteja com os dias contados.
Pois bem, após minhas primeiras experiências com esse contato mais aprofundado com as telas, um dia desses, passei a observar que a gente vê, naturalmente, as coisas meio 2D mesmo. 
Foi quando eu olhei através da janela do meu quarto e tentei enxergar o prédio mais longe que a minha visão astigmática me permitia que eu percebi que a gente vê as coisas meio planas, meio como se estivessem unidas formando aquela imagem final, quase como se fossem parte de uma tela de pintura onde, apesar de respeitar a dimensão e distância entre aquilo mais próximo e mais distante, não passa de uma mera ilusão em um plano. Era como se prédio e céu fossem uma coisa só, apesar de não serem.
Às nuvens se aplica a mesma teoria. Vemos elas sempre meio planas, apesar de possuírem diferentes tons que tentam evidenciar seus contornos. Sempre ficava meio encabulado, ainda na minha infância, quando eu ficava de cabeça para baixo e observava o céu. Sempre que assim fazia, era como se novas nuvens surgissem e eu pudesse ver com detalhes do menor ao maior volume que elas apresentavam. Aquele céu comum e plano se apresentava enorme, com nuvens algodoadas corpulentas, me mostrando o quanto é imenso e infinito.
Lembrei que, certa vez, no alto de uma montanha, deitei sobre uma pedra e deixei minha cabeça meio que para fora dela, conseguindo ver o chão do abismo como céu e o céu como chão. Foram os óculos 3D mais baratos e mais incríveis que já pude colocar um dia! E teve, também, aquele dia de longa viagem em que olhando pela janela do carro e depois de muito tentar, a nuvem se fez tridimensional para mim, pomposa e encantadora.
Saindo das paisagens e nos voltando para esses seres que sorriem, choram e têm um coração que pulsa; Por que conseguimos enxergar as pessoas tão bidimensionalmente quando, na verdade, elas são multifaces tridimensionais? 
Se pararmos para pensar, o que falta mesmo, na grade maioria das pessoas, é saber ter sessões de vivências em 3D. Hoje em dia somos muito 2D, muito acostumados a ver aquilo que vemos sempre, aquele plano onde na verdade existem vários relevos, naquele tempo curto que temos sempre, com aqueles sorrisos econômicos de sempre e aquela empatia insolente de sempre. Falta contato, aproximação, falta sairmos de dentro das nossas telas e jorrarmos em direção a quem amamos. Faltam óculos 3D para vermos o jorro de quem já se faz tridimensional para nós. Falta vontade o suficiente para superar a dor de cabeça após a sessão porque valeu a pena êh êh.
Porque tecnologia de ponta mesmo é armar a visão contra o assalto da normalidade. Experimentem. É incrível, melhor e mais barato que óculos 3D!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Bares e Casamentos

Em Londres um pub está fazendo sucesso porque instalou para seus clientes uma cabine telefônica com uma sonorização peculiar: enquanto a pessoa fala no telefone, pode acessar o som de uma tranqueira no trânsito, com muito buzinaço. Ou pode acessar o som de um ambiente de escritório. Toda essa parafernália é para que quem esteja do outro lado da linha não identifique o som do bar. Assim o bebum pode dar uma desculpa esfarrapada e chegar em casa sem levar uma descompostura, afinal, estava trabalhando até tarde, o coitado, e ainda por cima ficou preso num engarrafamento depois. 
Essa cabine telefônica com efeitos especiais só vem demonstrar que os bares andam muito moderninhos, mas os casamentos continuam parados no tempo, mesmo na vanguardista Inglaterra. "Só vou se você for" segue na moda. Enquanto isso a hipocrisia deita e rola. 
Muitas pessoas ainda têm uma idéia convencional do casamento: encaminham-se para o altar como quem encaminha-se para o supermercado em busca de um produto pronto, industrializado, com um rótulo dando as instruções de como utilizá-lo, e parece que a primeira instrução é: nenhum dos dois têm o direito de se divertir sozinho ou com os amigos, a menos que o cônjuge esteja junto. Não é de estranhar que os prazos de validade do amor andem cada vez mais curtos.
Não há paixão que resista ao grude. Não há paciência que resista à patrulha. Não há grande amor que prescinda de outras amizades. Sair sozinho para beber com os amigos deveria ser um dos 10 mandamentos para uma união estável, valendo para ambos os sexos. Quem não gosta de bar pode substituir por futebol, cinema, shows, sinuca, saraus ou o que o Caderno de Cultura sugerir. E não perca tempo lamentando por aquele que vai ficar em casa. Provavelmente ele vai se divertir tanto quanto. Ouvir música, ver televisão, ler livros, abrir um vinho, tomar um banho de duas horas, navegar na internet, dormir cedinho, tudo isso também é um programaço. Quem não sabe ficar sozinho não pode casar, sob pena de transformar o matrimônio num presídio para dois. 
Tem muita coisa em Londres que eu gostaria de ter aqui: parques mais bem cuidados, mais livrarias, mais respeito à individualidade, melhor transporte público, prédios mais charmosos. Só dispensaria o clima e esse pub pra lá de vitoriano, onde pessoas adultas são incentivadas a inventar um álibi para justificar um atraso. Atraso é ter que mentir para que o outro não perceba que você está feliz. 

Martha Medeiros
25 de fevereiro de 2002

terça-feira, 30 de abril de 2013

Fragmento de algo maior que nunca existiu



... Um vento frio emanava e balançava as vestes daquelas pessoas. Estavam há milhas de altura, em cima de uma das mais altas montanhas daquele vale, em uma parte em que apenas uma pedra branca e nua se exibia para o belo fim de tarde. O verde monocromático e hiperbólico das montanhas e abismo vizinhos era pastoso e rodeava eles por todos os lados. Era um daqueles momentos em que o sol está ali, mas que por algum motivo geográfico não incidia diretamente neles, apenas iluminava-os de uma forma que criava uma aura mágica e sombria.
Cath se sentia estranhamente vazia ao transbordar de emoções.
Math mantinha-se ali, com o corpo curvado, o joelho quase encostando no queixo, acocorado, fitando o vazio, calado como se nunca tivesse pronunciado uma única palavra na vida. Estava quase que de costas para Cath, fitando aquele vácuo quilométrico com o abismo o preenchendo.
Mantinham-se...
Conversavam no silêncio, por minutos e minutos.
O sol havia baixado mais alguns milímetros no horizonte e a ausência de luz parecia dar lugar a uma frio que adentrava na entranha daqueles seres. O mundo estava envolto em um laranja esverdeado alucinógeno.
Era curiosa a sensação de diálogo mesmo sem palavras verbais ou corporais.
Era uma conversa abstrata de almas.
Os pelos de Cath se eriçavam a cado tufo de vento que penetrava nos seus vestes. Não sentia pressa. Não sentia pressa nenhuma. Era como se tivesse morrido continuando a viver. Não havia mais aquele sentimento de urgência iminente típico dos humanos. Tudo transcorria como se ela tivesse mais mil anos de uma confortável vida pela frente.
Math mantinha-se mais enigmático ainda, estático, efervescente. Consentia e acompanhava a silenciosa conversa enquanto seus cabelos esvoaçavam na beirada daquele monocromático abismo.
Sentou-se, por fim, sobre a gélida pedra nua. Deitou-se e sobre suas oculares via-se apenas a luz violeta azulada do céu com alguns cirros cinza enegrecidos, mais nada. Um cobertor de céu o aninhava. A baixa temperatura da pedra o fez sentir um calafrio na espinha.
Cath quebrou, por fim, o silêncio:
- Somos isso...
Passaram-se alguns minutos e Math, sentado novamente, imerso em pensamentos, indagou:
- O que, Cath?
- Esse vazio cheio de coisas...
-Somos...
Mas Math falou como quem fala pensando em algo completamente diferente...
Mais alguns minutos de vento gélido e verde alaranjado transcorreram...
Cath sibilou de uma forma séria e profunda:
- Ficamos nisso, então?
Math manteve-se calado. Respondeu através de uma profunda inspirada e do voltar da direção do olhar do abismo para os pés. Respondeu sem dizer uma palavra sequer.
Cath tinha os olhos cheios de lágrimas frias que estavam ali como um liquor que saia de sua alma sem muito alarde.
Ela odiava essa mania de amar nele o que ela mais odeia. O mesmo motivo do início é o mesmo motivo do fim. Havia uma conflito entre entradas e saídas, início e fim, progressivo e retrógrado. Havia um conflito.
Math fitando aquele abismo com olhos vazios falou:
- Que bobeira, Cath. A vida nem é isso, a gente é quem inventa...
E inventa mesmo. Ele era inventado para ela. Até seus erros ela amava, até seus erros ela odiava.
Cath irrompendo o silêncio, mais uma vez, falou:
- Fim, Math?
- Podemos dizer apenas que vamos voar? que somos livres para voos?
Math perguntava a ela com um ar reflexivo e esperançoso.
- Não vejo asas, Math. Aliás, vejo uma ausência delas, agora.
- Não, Cath. Nem sempre é necessário ter asas para voar. Os maiores voos são feitos sem tirar o pé do chão...
Math deu um meio sorriso como a gente dá quando se lembra de algo bom, mas não pode transparecer completamente.
Longos escuros minutos de vento se debateram neles. Cath e suas lágrimas frias pegaram a trilha para descer a montanha.
Math estava em um estágio em que ele não sabia se havia visto ou não ela sair, mantinha-se imóvel, preferia acreditar na verdade inventada dele. Continuou ali até não enxergar nada além de estrelas que faiscavam e riscavam o céu como fogos de artifício.
Voaram, por fim. Silenciosamente alçaram o arrebatador voou que fora discutido na silenciosa conversa de suas almas durante muito tempo. Voaram...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Homem que é homem não compra guarda chuva


Homem que é homem mesmo não compra guarda chuva. Sai na cara braba naquela chuva de 100 milímetros por metro cúbico, corre daqui, corre dali, entra numa loja, num bar (aproveita e toma uma cervejinha) ou passa em um cobertinho qualquer que encontra por aí, mas guarda chuva, não compra não!
Aí chega o inverno com aquelas chuvas torrenciais que decidem cair do nada. Essa época, em especial, é muito complicada para essa parte da população que tem um membro viril cilíndrico e erétil no meio das pernas. É um corre-corre desgraçado, cabelo molhado e camisas/calças ensopadas. O quadro perdura por semanas... Até que um dia em que não está para peixe (quase um oceano se formando de tanta chuva), toda a masculinidade e opinião de anos (um ano, mais precisamente, contando desde a data do inverno anterior) são abaladas e um pedido emergencial do um guarda chuva aparece. 
Aí você já viu... É uma coisa linda! Um bando de marmanjos andando na rua com guarda chuvas róseos, com flores, com estampas afeminadas (quando não com um arco-íris) e com modelos de gueixa feitos de cetim, desfilando num espécie de Rain Fashion Week. Porque homem que é homem, não compra guarda chuva. Mas a esposa compra, a irmã compra, a mãe compra, a avó compra, a namorada compra, a noiva compra e nunca (jamais!!!) elas pensam que um dia aquela pessoa próxima com o cronograma Y ao invés do X irá fazer uso destas geringonças metálicas que insistem em se abir ao contrário por menor que seja o vento que ouse passar.
Entramos na questão da dependência masculina. Li algo de Martha Medeiros esses dias em que ela falava que os homens tem duas mães, quando não três: a mãe propriamente dita, a esposa (namorada, noiva ou qualquer coisa desse tipo) e às vezes ainda tem a avó, a tia ou a irmã para dar uma cuidadinha no moço. E o pior é que é verdade mesmo. Homens são feitos para depender das mulheres nessas coisas específicas, só pode:

- "amor, você comprou shampoo?"
- "você comprou fruta para a minha dieta?"
- "esqueci de tomar o remédio, não brigue comigo, pegue aí!"
- "aonde estão as meias, por Deus?" 
- "aonde você colocou aquelas camisas?"

 Pois bem, no alto da minha masculinidade e da dependência materna, também não comprei um guarda chuva. Fui destes que sempre que precisei, minha mãe tinha uma gurda chuva rosa pink prontinho para mim. Neblina + estalei o dedo = guarda chuva. Simples. Prático.
Sempre dava certo, até quando não queria utilizá-lo. Esperava cinco minutinhos, corria daqui, corria dali, pegava um ônibus ao invés de ir o trajeto a pé, ia de carona, chovia nos horários em que eu não saía, arrumava alguém para dividir um guarda-chuva comigo, entre outras estratégias que só quem não tem guarda chuva (ou tem um guarda chuva rosa pink e não quer usar) entende, mas nunca me molhava por completo.
Até que em uma belo dia de uma neblina rala e um atraso não tão ralo assim, saí de casa para a faculdade. Como naqueles clichês cinematográficos, a cada passo que eu dava mais pingos me fuzilavam. Parecia que tinha uma nuvenzinha diabólica em cima da minha cabeça. Um passo = 1 milímetro mais forte. Dez passos = 10 milímetros mais forte. 
Atenção para a parte de que: o destino foi cuidadoso ao pregar a peça: deixou que apenas na marca dos 100 passos e um quarteirão longe de casa (mesmo a forte chuva me molhando, minha testosterona me fazia resistir bruscamente), a chuva chegasse aos 100 e tantos milímetros. Mas não parou por aí, o único abrigo possível que exista estava a uns cem metros de distância do outro lado da avenida que se encontrava a todo movimento com o sinal verde. Sinceramente, parecia que um balde do tamanho daqueles que existem em parques aquáticos que derramam de meia em maia hora uns 10.000 litros de água por sobre os banhistas tinha decidido se derramar por sobre a minha cabeça.
Resultado? Um alto investimento de doze reais em um guarda chuva PRETO, cromado e reforçado. Guarda chuva de homem mesmo. 
SIM, homem que é homem prevenido compra guarda chuva.

"Mãe, foram muito bons os anos em que utilizei seu guarda chuva florido rosa pink, obrigado, de verdade. Consegui minha independência, comprei meu próprio guarda chuva."

Att: Rodolfo.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Stop. A vida parou ou faltou energia?


16 horas :23 minutos : 39 segundos - Quarta feira. 
A sala de aula com a excêntrica professora falando escurece e assusta os sonolentos alunos.
Stop. Faltou energia.
Parou o trabalhador que manuseava uma incisiva furadeira. Parou a dona da lanchonete fazendo o suco de maracujá. Parou o procedimento cirúrgico na clínica que, por negligência, não tinha gerador. Parou a novela para a senhora que assistia a TV depois da exaustiva rotina doméstica. Parou o carinha que fazia um milk-shake. Parou a trabalhadora desgastada que engomava uma pilha enorme de roupas. Parou o Facebook para o menino que acessava a internet através da Wi-fi. Parou transições bancárias pela internet. Parou a batedeira da mulher que batia massa para o bolo. Parou o ar-condicionado que refrescava o escritório. Parou a máquina que mexia o concreto na obra. Parou o atendimento odontológico por falta de luz. Parou a geladeira que conservava a comida difícil da família humilde. Parou a máquina que pirateava cds. Parou a balança na hora que o obeso se pesava (nessa hora, ele sorriu). Parou a maquina de emitir nota fiscal da farmácia. Parou a bomba de combustível. Parou a mulher que costurava a roupa de grife que você só vai poder usar daqui a um ano. Parou o elevador de ir e vir. Parou o fogão que ascendia o fogo à energia. Parou a esteira da acadêmia. Parou o rádio que animava os pedreiros (eles tiveram a oportunidade de olhar mais para a beldades que passavam). Parou a fisioterapia com a máquina. Parou a cancela do estacionamento. Parou a impressora. Parou o sistema. Parou o refrigerador do supermercado. Parou o bebedouro de gelar a água. Parou o microscópio em que o pesquisador descobria algo singular. Parou a estufa. Parou o motor de puxar água. Parou o portão de abrir. Parou a maquineta de registar os livros da biblioteca. Parou a máquina de café instantâneo. Parou o alarme ultra sensível. Parou o cerca elétrica. Parou a projeção na dificílima defesa do TCC. Parou a máquina de lavar roupa. Parou o experimento sensacional no laboratório. Parou de escrever o artigo o pós-graduando. Parou a porta automática do Shopping. Parou de girar o manequim na loja. Parou a escada rolante. Parou o termômetro enorme da rua. Parou o semáforo.
Uma onda de silêncio assustadora  de silêncio se amanou por sobre a cidade. Mas não durou muito.
Os motoristas, no entanto, não pararam. Os que estavam no sentido em que o semáforo estava verde prosseguiram. Os que estava no sentido em que estava fechado perceberam e começaram a proclamar palavrões e a se infiltrar no meio da manada, por assim dizer, que vinha no outro sentido. Acidente. Carros com latarias amassadas. Gritos. No semáforo da esquina o motoqueiro arriscava barulhosamente sua vida ao passar em alta velocidade entre os carros, para ficar enganchado no próximo semáforo que estava a 200 metros dele, claro. Parou o ônibus enorme. Arrancou a placa da esquina o ônibus que tentou dobrar em meio aos carros ziguezagueados e dobrou mais por dentro. Buzina um, dois, três. O vírus se espalhava. Buzinavam 40. Buzinavam 100. Motos se infiltravam como água entre brechas dos carros. Outro acidente à 500 metros do primeiro. Gritos. Km de engarrafamento em um trânsito entramelado como a trança da garota bonita que foi atropelada na calçada pelo motoqueiro insano que tentava burlar o engarrafamento. Cinco pessoas corriam para socorrê-la. Outro foi quase atropelado no outro lado da rua. Foi esmagado o pedestre que passava entre dois carros e que um deles despercebidamente avançou. Ficou gritando a ambulância com a grávida em trabalho de parto... Francisco nasceu em meio ao caos. Ficou preso o carro forte empanturrado de dinheiro. Ficou gritando a ambulância do SAMU que não conseguia socorrer os chamados. Bateu o carro a menina que tinha tirado a habilitação na semana anterior e nervosa trocou o acelerador pelo freio. Reclamou o trabalhador que passara o dia se desgastando em uma construção e agora estava enjaulado dentro de um ônibus numa reprise do trânsito indiano. Reclamou o estudante que só dormiu duas horas na noite passada e, justo no dia que tinha tempo para dormir, ficou inapto no mar de buzinas, digo, engarrafamento. 
Chorava o menininho apavorado na calçada. O idoso caquético admirava abismado a êxtase anti-altruísta viral que endoidecia a cabeça das pessoas. Pedestres atordoados. Dois estudantes polidos riam da cena. Barulho. Monóxido de carbono. Fumaça. Buzina. O vírus do caos se espalhava. 
Tenho certeza que qualquer um desses diretores que criaram séries apocalípticas vivenciou uma situação dessas e se inspirou para criar essas situações caóticas fictícias com fundo de verdade. Paradas de ônibus super lotadas. Centenas de km de engarrafamento entrançado. O carro burlando o congestionamento passando por cima da calçada e caindo e um, na outra rua, ainda maior (bis, bis, bis). 
Chegou então a tropa de choque. Fortemente amarda. Um policial de uns dois metros de altura com uma arma enorme na mão gritava com um motorista para aprumar seu carro. Os outros, assustados tentavam aprumar os seus. Cinco outros policiais desemaranhavam o trajeto do outro lado. Dez outros nos outro semáforo. 
- "e desobedeça, neguinho, para ver tiro no mei dos peito!"
Falava o trabalhador admirando a braveza do  policial.
Simularam um semáforo durante uns dez minutos. 
Play. Voltou a energia. 
O vírus ensandecedor era aniquilado da cabeça das pessoas. A máquina começou a emitir a nota fiscal. A menina bonita atropelada foi socorrida. O ar condicionado voltou a funcionar. A projeção voltou e o tenso defensor do TCC pôde mostrar seu trabalho. A porta do shopping voltou a funcionar e a escada rolante também. Voltou a wi-fi, mil likes no facebook, mil comentários sobre o caos. Reiniciou-se o atendimento odontológico. O procedimento cirúrgico pôde ser concluído. Play nas transações bancárias. O suor foi se evaporando conforme o ar condicionado resfriava os disparantes neurônios no escritório. Para alegria da família, a geladeira voltou a funcionar. O obeso viu o peso e lamentou de tristeza. Voltou a TV da senhora que conversava com a vizinha que não conversavam daquela maneira a anos. A água voltou a gelar. A bomba voltou a encher de gasolina o tanque do carro. Voltou a tocar o rádio com uma romântica música para os pedreiros. Voltou a trabalhar a costureira, o estagiário, o médico, o fisioterapeuta  o pirateador de cds...
Aos poucos a vida voltada. Aos poucos o fluxo nas artérias da cidade abandonava os trombos e prosseguia. Aos poucos o menino parou de chorar. Aos poucos a vida voltava à desregrada e ensandecida homeostase.
Play. A vida iniciou ou a energia voltou?

- É isso que dá! a danada da Dilma baixar o preço da energia... o pessoal vai usar mais e agora vai ficar  faltando direto! 
Comentava o indignado trabalhador, atravessando a rua, com outra pessoa que nunca havia visto na vida.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Clamor



Um vizinho já havia batido na porta e outros dois chegavam, no meio da noite, assustados.
...

Ele só queria um tempo para arrumar sua vida. Sua medíocre vida. Queria um tempo para arrumar seus cabelos no corte em que desejava. Queria um tempo para arrumar seu relacionamento que saia pela tangente que ele jamais imaginou sair. Queria um tempo para lavar as roupas sujas de meses, aquelas que deixou para depois, depois e depois. Queria um tempo para ler todos os livros que comprou e terminar aqueles que começou. Queria um tempo para matar o rato que a alguns meses petiscava suas caras comidas. Queria um tempo para organizar seu quarto, sua cama bagunçada sempre, seu roupeiro minúsculo e ridículo, sempre com roupas caindo. Queria um tempo para limpar o apartamento. Queria um tempo para tirar da geladeira todas aquelas coisas que não mais servem, mas que a enfeitam há semanas. Queria um tempo para conversar com as pessoas que gosta sobre o que gosta. Queria um tempo para organizar sua agenda pessoal, que mais parecia uma parede de presídio cheia de rabiscos e datas passadas. Queria um tempo para lavar aquele sapato que descolou e que ainda tem jeito. Queria um tempo para falar às pessoas o que realmente acha da belíssima hipocrisia de cada uma delas. Queria uma tempo para retirar as cortinas velhas da sala. Queria um tempo para colocar fotos novas nos porta retratos. Queria um tempo para ouvir todo os CDs que baixou e analisar detalhadamente e poeticamente todas as letras e divagações. Queria um tempo para aprender a gostar mais de poesia. Queria um tempo para organizar sua mesa de trabalho, que mais parece uma velharia. Queria um tempo para organizar todas as pastas, unidades e drivers do seu computador. Queria ter um tempo para ativar o antivírus e mover para quarentena todas aquelas ameaças. Queria um tempo para cozinhar o legume preferido. Queria um tempo para terminar o projeto que nunca terminou. Queria um tempo para assistir aquele filme perfeito que o amigo passou no ano passado, mas que até hoje não viu nem os primeiros cinco minutos. Queria um tempo para discutir com o porteiro do prédio tudo o que observa de errado há anos. Queria um tempo para dormir demoradamente e deliciosamente um dia inteiro de chuva. Queria um tempo para encher a cara da melhor bebida que o mísero salário pudesse comprar. Queria um tempo para beber, ao menos, o resto de vodca barata que estava na geladeira, há dois meses. Queria um tempo para retirar todos os cravos que sujavam o seu rosto. Queria um tempo para comprar roupas novas. Queria um tempo para comprar uma maquina nova de lavar. Queria um tempo para comprar chocolate. Queria um tempo para fazer a receita de cappuccino alucinógeno particular. Queria um tempo para bater na porta do vizinho e dizer que a TV dele incomodava e muito. Queria um tempo para assistir sua série favorita, que lembrava sua adolescência. Queria um tempo para baixar todas as séries que estão em uma lista invisível, mas nunca foram, ao menos, pesquisadas. Queria um tempo para ir no Fast food comer a maior gordice que conseguisse. Queria um tempo para lamentar sua percas particulares. Queria um tempo para terminar de escrever o livro que não passou da décima lauda. Queria um tempo para trocar todos os livros velhos e inúteis em livros velhos e inúteis no sebo. Queria um tempo para ir ao show do seu cantor favorito e virar bicho. Queria um tempo para adotar um animal de estimação. Queria um tempo para matar o ninho de baratas que estava no forro do banheiro desde que chegou. Queria um tempo para limpar a área de serviço como merece. Queria um tempo para resolver mentalmente seu relacionamento. Queria um tempo para fotografar a mensagem social estampada em grafiti no muro que vê no caminho de casa. Queria um tempo para chorar, desobstruir tudo o que foi obstruído com mágoas ressecadas. Queria um tempo para ir na balada e pegar todas, voltar bêbado e acordar morrendo de ressaca moral. Queria um tempo para fumar um cigarro. Queria um tempo para terminar de desbotar a camisa que recebeu um pingo acidental de água sanitária, mas que ficou legal. Queria um tempo para ajeitar a porta amassada do carro. Queria um tempo para procurar o posto de gasolina mais barato. Queria um tempo para viajar e rever os familiares. Queria um tempo para conhecer as praias que sempre sonhou. Queria um tempo para aprender a tocar novos instrumentos. Queria um tempo para esvair. Queria um tempo para fugir. Queria um tempo para...

Um grito gutural, animalesco e agoniado saiu de suas entranhas e durante alguns longos segundos preencheu o cortante silêncio, enchendo o prédio inteiro de pavor, medo, agonia e falta de tempo.

 Achou o seu tempo.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Só enxergamos o que conseguimos


Rodeados de felicidade, daltônicos por tristeza. Vivemos numa busca incansável pelo feliz que já vivemos, mas que falta colírios ou óculos escuros o suficiente para enxergarmos. 
Estes dias, no supermercado, mais precisamente na fila para pegar míseros gramas de presunto e queijo em fatias, avistei meio que de longe uma professora do primeiro período da faculdade. Vestida sem o quadrado jaleco branco, tinha um aspecto mais jovial. Ela estava em um daqueles enormes refrigeradores abertos do super mercado e analisava, ponderava e escolhia alguns entre diversos tipos de queijo empacotados à pressão em embalagens excêntricas. Mas ela não analisava apenas, ela A-N-A-L-I-S-A-V-A detalhadamente e contentemente gramas, calorias, nutrientes e qualquer coisa supérflua que possa ser levada em conta como quesito de escolha entre diversas embalagens com queijos idênticos. Achei tão estranha aquela alegria toda em escolher queijos. Por favor! Eu estava naquela fila com um olho aberto e outro fechado de tanto sono e cansaço, e, ainda por cima, entediado com a idosa que estava à minha frente resmungando pela demora... como alguém poderia ser feliz escolhendo, demoradamente, queijos?
Neste exato instante, chegou um cara ao lado dela. Só o bíceps dele dava duas vezes o meu peso, à saber. Colocou levemente a mão por sobre a silhueta afilada dela e encostou de leve os seus lábios no pescoço dela. Não teve como conter. Um riso puro e uma espécie de espasmo em onda percorreu o seu corpo. Sem tirar o time de campo e sem dar espaços para maiores reações por parte dela, logo ele opinou sobre qual dos dois idênticos queijos ele preferia. Rindo, ainda, ela o olhou desconfiada e indignada pela perspicácia dele em saber qual o melhor queijo mesmo estando longe durante todo o demoroso tempo em que ela passara escolhendo. 
Tudo estava minunciosamente explicado. Quatro letras, uma massagem moral, uma anestesia geral e um pedaço do melhor queijo: amor. Mais que amor. Nove letras, uma massagem moral, um opioide de longa duração, um parentese para fazer par com o seu e dois pedaços do melhor queijo: casamento. Faziam as primeiras compras juntos, por certo. E vejam só... felicidade... quanta felicidade.

Ao meu lado, a menina adolescente sorria enquanto ouvia nos seus estéricos fones de ouvido: " [...] Vamos viver, vadiar... O que importa é nossa alegria... Vamos viver e cantar, Não importa qual seja o dia..." Grande Chorão, seria capaz de reconhecer esses versos até em libras. Vejam só... mais e mais felicidade.

Na sessão de doces e biscoitos, o menino, já obeso, aperreava a sua mãe, também obesa, por mais e mais biscoitos. 
- Só mais esse mãããe! 
E a mãe com uma cestinha cheia de gordices se mantinha na firme e contrária posição.
-Não, João!
Ele insistiu mais uma vez:
-Sóóó eeesse, o último! vai, vai, vai, vai! 
Fez aquela carinha irresistível, semelhante ao Gato do filme Shrek. O instinto maternal não aguentou e se esfacelou como um castelo de cartas em meio à um vendaval. 
- Certo, certo, João! Esteja ouvindo: O ÚLTIMO!
O menino abraçou o biscoito como se estivesse abraçando o pai que passara anos em uma guerra e voltava agora sã e salvo. A mãe virou-se e deu um escondido sorriso de felicidade, sem que o menino visse, para "não perder a moral".  Sorrisos e... mais felicidade.
Já na fila para pagar as compras, vi uma mulher passar com uma caixa bem grande, até. Tinha a cara de quem carregava a felicidade no bolso. Ou nas mãos, que seja. Chegou ao caixa, com um caloroso sorriso, abriu o recipiente de papelão e começou a tirar, quase que magicamente, uns 20 ovos de páscoa, do mesmo tamanho, porém de diferentes cores e personagens (Iam desde a Barbie, Jolie, até o Ben10 e Toy Story). Sorria ao tirar os ovos de chocolate e sorria, ainda mais, diante da surpresa reação da moça que estava no caixa. A possuidora dos ovos tinha, no máximo, 25 anos, parecia ser de classe média e estar involucra em um espírito de gratidão encantador. Dava até para imaginar quantos futuros sorrisinhos passavam na cabeça dela enquanto revia seus mágicos objetos de sorrisos. Vejam só... felicidade. Felicidade presencial, felicidade encaixada, felicidade recíproca. Felicidade minha em vê-la feliz por fazer alguém feliz. 
Ponham seus óculos alucinógenos ou seus caleidoscópicos colírios de olhar para o interior. Deem-se ao gosto de vivenciar a felicidade presenciada, saibam estar rodeados por ela e reconhece-la, eduquem seu daltonismo com tropismo para a tristeza.

Quando já pagava minhas compras, ouvi no caixa ao lado:
- Mããããe, só mais esse chocolate, por favorzinho!
-Não, João!
-Mããããe! só mais esse! só mais esse!

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Saudosismo, I miss you'sismo.




"Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades em japonês, em russo, em italiano, em inglês… mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente quando estamos desesperados… para contar dinheiro… fazer amor… declarar sentimentos fortes… seja lá em que lugar do mundo estejamos. Eu acredito que um simples “I miss you” ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima corretamente a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. E é por isso que eu tenho mais saudades…
Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…"
Clarice Lispector

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eu + você = bons textos


As dores nos tornam mais forte, os tropeços nos ensinam por onde andar, o dinheiro compra e realiza grande parte dos nossos sonhos, os amigos são a família que escolhemos, a nossa família nos acrescenta valores. No entanto, nada é capaz de mudar aquilo que somos, por que isso é o que somos. E ele era aquilo que ele é.
Seria estupidez tentar defini-lo, pois ele possui um nome forte, dizem até que o seu nome significa: lobo. Eu não sei. Tudo que sei é que ele adora falar das nuvens, do sol, do mar, da vida...
Desde pequeno mostrou-se diferente, não é como se ele não se encaixasse com os outros, não, ele simplesmente completava o grupo de uma forma diferente. Uma forma alegre, criativa, disposta a arriscar, e sempre vendo de uma forma colorida o que o resto de nós, muitas vezes, víamos no preto e branco.
Um garoto de alguns grandes amores, de alguns pequenos romances e de algumas eternas paixões. Ah e antes que eu esqueça, ele é um garoto de grandes sonhos, muitas aventuras, e muitas loucuras também. Um garoto de música alta na caixa de som, de curtir a letra nos fones de ouvido, e de cantar sempre que possível.
Com ele aprendi que banho na piscina até tarde da noite é divertido, que nuvens podem virar anjos, que aprender dirigir pode ser com o freio de mão puxado, que estudar pode ser riscando na mesa, que tirar foto pode ser também embaixo d’água, que guarda-chuva pode ser pra enganchar na bicicleta, que calçadas podem ser para tropeçar, que taxis também dão carona, que café não pode ser misturado com cachaça, que sempre dá pra dividir a ‘merenda’, que reforço pode ser para discuti religião, que se você for pra Campina Grande a pousada é JK, que se for para tocar violão vai sair Nando Reis, e se for prova de química ou trabalho de física o melhor é suco de uva adulterado.
Não pense que somos românticos.
Não somos românticos, a questão é que temos uma enorme afinidade. Sim, temos, e essa afinidade é que: não importa qual o assunto, não importa o estado físico ou civil, mas sempre que estivermos um perto do outro iremos dialogar sobre um texto qualquer, uma poesia estranha ou o autor que escreve tal coisa.
Às vezes, falamos também sobre o que escrevemos, como vai nossas vidas, nossos amores, uma música qualquer, esse é o nosso relacionamento, a nossa amizade literária. Uma amizade literária que já enfrentou muita coisa, que já teve raiva um do outro, que já sentiu falta, mas que como um texto da Clarice ou uma poesia do Vinícius é ainda melhor quando lido novamente.
Amigos, irmãos de espirito, é o que somos e isso nos basta.
Se você também se encantou com ele, eu diria que só a um jeito de acha-lo e com toda a certeza vai ser preciso tirar os pés do chão e voar. Pois é, ele adora voar, às vezes ele voa tão alto que é preciso lembra-lo que o ar fica um tanto rarefeito e é necessário descer um pouco.  Não acredite que será possível encontra-lo aqui embaixo, não, ele se acostumou com a fantástica vista de lá de cima, ele não tem medo da altura, portanto se quiser encontra-lo é melhor pegar carona em algum voo.
                     
Se as minhas asas não foram feitas para voar, arrancar lhe eis.        Comprarei um par novo, cujo material será a coragem, e costurar lhe eis a minha alma com a liberdade. Nada me prende ao que é monótono, até mesmo se a minha liberdade perder o encanto, abandonar lhe ei, e então partirei em busca de uma nova aventura.
Obrigado por ser você.
D. Andrade - Relicário Abstrato


Foram com essas palavras que acordei nesta "ressaqueada" segunda feira. Assim que liguei o wi-fi do celular, uma mensagem apareceu no Facebook e lá estava um anexo (desta vez não tinha o amorzinho). Corri para o notebook e assim que li, parecia uma criança indo pela primeira vez ao parque de diversões.
Não tenho, sinceramente, palavras para agradecer por essas tantas outras palavras bonitas escritas para mim. Quando li no "in box" do Facebook que era um texto exclusivamente meu, jamais imaginei que seria tão exclusivo. Você já citou muito bem que somos irmãos de espirito e sou muito feliz com isso. Nossa amizade já se mostrou, por diversas vezes, proveitosa, já superamos muitas etapas difíceis (vestibular e muitas outras), já aprontamos e já aprontaram com a gente. Ás vezes, morro de saudade de ter uma "barra" para enfrentar com você. No fim, tudo virava sorrisos e noites viradas(ou noites bocejando, como queira chamar).
Não se engane, gosto mais do que você de "corrigir" seus textos (quase nunca necessitam de correção), analisar seus tantos "eu líricos" diferentes e se tornou um hobbie ir à minha analista/psicóloga particular. (observe sempre o mesmo horário da visita). Admito, também adoro o lanche. (acho que você já percebeu isso também)
Muito obrigado de verdade. Obrigado, por ser quem você é e por gostar de quem eu sou. Obrigado por sempre me mostrar textos tão bons. Te devo essa. 

Ps: acho que vou ficar "pra baixo" mais vezes, pra você me mandar mais surpresas (eu sei que você odeia essa palavra e quase fez uma monografia sobre isso em uma tarde de estudos) mais vezes e pra me chamar de amorzinho pessoalmente. hahaha 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Amizade sem trato


Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental. Mas é fato: quando penso no que tenho de mais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família. E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeeesmo, a gente só tem dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho: eu tenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada. Não é privilégio meu, qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?
Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos. Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente sabemos até de uma fofoca sobre eles, mas amigos? Nem perto. Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes.Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa – nem deve – vir acompanhado de um motivo. As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor – tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato. Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão. Basta sentir a falta da pessoa. E, estando juntos, tratarem-se bem.Difícil exemplificar o que é tratar bem.
Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso trocar elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias. Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do que cumplicidade. Sintonia?Acho que é amor. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços – mas liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam.
Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem doisamigos pra valer. E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas. Nada disso. A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.
Martha Medeiros

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Rapidinha


Só estava meio vazio, querendo falar uns troços pra alguém de confiança, jogar conversa fora. Está todo mundo ficando velho e esclerosado por dentro. Os bares estão perdendo feio para as novelas, não há mais ninguém nas ruas. Não tenho me identificado muito com ninguém. Mas tudo bem. Levei um tempo até entender que pode ser muito libertador não se sentir parte de nada. E tu sabe como sou, dramatizo para dar às coisas a importância que originalmente elas não têm.
Gabito Nunes