quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A subversividade do "Lepo Lepo"

(O conhecimento da música, antes da leitura, é de grande importância para o entendimento do texto. Caso não conheça, aperte play no vídeo abaixo).



A palavra que saiu do universo dos livros de história (daquele período dos reinados, principalmente) e passou a ser, sem dúvidas, um dos símbolos da atual geração é a "ostentação". Etimologicamente, o termo deriva do Latim "ostentare" e significa "mostrar". Refere-se principalmente à exibição de luxo ou riqueza com vaidade e pompa. Toda essa recente popularidade do termo se deve, em parte, à um empresário com sua intelecção inversamente proporcional à conta bancária que fez um vídeo ostensivo,  para uma revista, sobre seu estilo de vida cheio de Ferrari's, bebidas caras e claro: camarotes. Uma cachoeira de futilidades banhadas à ouro. Eu duvido que nos últimos meses você não tenha ouvido a combinação de palavras "Rei do camarote" e não tenha "agregado valor".
Faça o teste: abra seu Instagram (você não tem 'insta'? como assim você não tem esse mostruário da pavonada?) e pesquise no campo de busca a palavra "Ostentação". Neste exato momento em que escrevo esse texto, o mecanismo de busca apontou que a Hastag #ostentação foi citada no aplicativo cerca de 61.682 vezes (sim, sessenta e uma mil seiscentas e oitenta e duas). Somando-se as variações da palavra (sem/com o acento, sem/com o cedilha, etc) chegamos ao número de 93.607 vezes em que o termo chegou a ser utilizado na rede social. 
Tantos números e a troca das "Selfies" pelas "Braggies" são a prova da presença constante da ostentação no nosso dia a dia, atualmente. Não entendeu nada? Calma, vamos atualizar seu dicionário da ostentação. Selfies (que, por sinal, foi eleita a palavra do ano de 2013 pelo dicionário Oxford) são aquelas auto-fotografias que tiramos e postamos na rede. Tipo essa minha no perfil do blog. Você também deve ter uma. Já as Braggies são aquelas fotografias, literalmente ostensivas, tiradas com o objetivo de provocar o sentimento de inveja nos amigos ou nos seguidores. As principais braggies são aquelas de drinques e de poses na praia, segundo minhas pesquisas na internet. No final de tudo, o que isso quer dizer é que: não importa o rosto ou a personalidade, quando se tem um caríssimo drinque ao nosso lado, numa foto tirada em uma praia belíssima, com duas mil curtidas no Instagram. Chegamos à tal ponto, que até um "estilo musical" foi inventado a partir desta temática: o Funk ostentação. Dispensa comentários.
Toda essa opulência denuncia a curiosa carência humana de ser alguma coisa e, mais do que isso, de mostrar a todos que somos alguma coisa. As braggies são a ponta do Iceberg de uma necessidade humana, ancestralmente herdada, talvez, de se sobressair aos nossos semelhantes. Não temos culpa por pensar assim. Somos resultados de uma mentalidade construída centenariamente e de uma "maldita" seleção natural que trouxe até aqui os mais aptos (sendo aptidão à sobrevivência diretamente proporcional ao poder aquisitivo). Seus próprios pais mandaram você estudar a vida inteira para "poder comprar as coisas que você quiser no futuro" ao invés de "estude para ser feliz!"... Tudo capitalismo selvagem.
O curioso é que, por anos, já ostentamos ao mundo inteiro cantando "moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza" e agora, subversivamente, o provável novo hit do carnaval é o Lepo Lepo, da banda Psirico: uma música simplista que, em tom de confessamento, põe em xeque o real interesse nas relações humanas e vai contra essa nova linhagem de pseudomúsicas que a cada dez palavras, 7 são nomes de bebidas caras. Pseudomúsicas que, por sinal, dão origem a pseudoestilos de vida.
A graça deste novo hit está, ainda, em ser feita para atingir a grande massa e conseguir alcançar todas as classes sociais, sem distinção: do ostensivo endividado ao último na fila que classifica em relação ao poder aquisitivo... Impossível não se identificar (mesmo que em segredo) com a vontade de ostentar, inata da personalidade humana, mas com a dificuldade em fazer isso. Seria o Lepo Lepo a Queda da bastilha contra o modelo de vida ostensivo a que levamos? Ok. Exagerei um pouco, mas que vendo por este ângulo Marx adoraria dançar um Lepo Lepo, ah, ele adoraria!
No entanto, apesar da subversividade do Lepo Lepo, não há motivos para tanta comoção. Certamente, não é uma única música que vai extinguir a culpabilidade existencial que é saciada quando um ser se mostra superior a outro. Além disso, contraditoriamente, o próprio eu lírico da música, por si só, já ostenta e grita ao mundo que o 'Lepo Lepo' dele é bom o suficiente para manter a mulher com ele (a subversividade do subversivo... irônico). Que se danem as propostas utópicas de amores felizes... Na pirâmide ostensiva, o sexo e as mentes vazias são a grande base e, infelizmente, certos ritmos musicais superficiais são apenas o rótulo de mentes infinitamente piores.
E não adianta se refugiar nos livros, nas músicas de Beethoven e em outras obras de arte. Até isso, hoje em dia, é ostentação. Mais do que nunca, consumir arte e ser pseudosubversivo rende curtidas e boas impressões com os futuros parceiros de "Lepo Lepo". Pesquise a Hastag #claricelispector no Instagram e verás.
Audous Huxley disse, muito bem dito, por sinal:
"A ditadura perfeita, terá aparência de democracia, uma prisão sem muros, na qual os prisioneiros nem sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor a sua escravidão". 
Assustadoramente, estamos cercados por todos os lados, sorrindo inocentemente da nossa ditadura geneticamente ensinada... aliás, chega a ser socialmente ariscado sonhar com outro conceito de felicidade, senão o da ostentação. Estamos tão alienados que nossa culpabilidade existencial cegou o conceito de felicidade e em seu lugar, pôs uma sádica e controversa invenção humana: o capital... Na verdade, somos todos cultos o suficiente para não assumir, mas vazio ou não, do Rei do camarote ao eu lírico da música, estamos todos atrás do Lepo lepo... E neste ato, talvez, esteja o juízo final de tudo isso: nessa hora, não tem Rolex, camarote ou braggie que importe (e até que se prove o contrário, a conta bancária em nada tem relação com a execução do ato). Que a semente da subversividade esteja plantada...

Agora vou atualizar meu 'insta' com minha nova braggie: escrevendo esta postagem. Curtam, por favor.

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