sábado, 28 de junho de 2014

Não se metade


Tem uma coisa que me irrita muito: gente sem sal e sem açucar. Aliás, gentes. Gente que parece puxar uma tonelada para levantar os cantos da boca e sorrir. Gente que parece ter medo de usar o único bem que é seu e de mais ninguém: a vida. Gente que tem medo, receio ou tristeza de experimentar.
Porque se convido-lhe para acompanhar-me em uma festa e dizes a mim que estás desanimado, por favor, nem que eu insista insuportavelmente pela sua presença ao meu lado, não vá. Tenho náuseas terríveis - capazes de me levarem à morte súbita - ao ver gente com meio sorriso ao meu lado. Terríveis mesmo. Faz-me passar mais mal do que tenho passado. Então, se não estás disposto à sorrir cem por cento, não me venha com noventa e nove. Apesar de não parecer, não troco nada inteiro - nem sorriso, nem felicidade- por meias metades.
Leva-me à fadiga gente que tem um céu inteiro pra voar e se contenta com a mediocridade da terra. Antes de tomar qualquer atitude racional, coloca na sua cabeça um coisa: vida só é uma, aproveita e brinca com sua irracionalidade.
Se ser inteiro custa-lhe a sanidade, experimente ser feliz, por favor, mas não se contente com os noventa e nove. Se ser inteiro custar-lhe alto, pague! Parcele, anote, arrume um fiador - se eu já não tiver gastado tudo, serei com todo prazer - gaste todas suas moedas e pague à vista, se tiver, mas não se contenha com metades. Empresto, também, e se for feito muito bom uso, pode me pagar com seu sorriso, à vista, apenas. Sairei ganhando facilmente.
Gente que é pela metade causa-me indigestão, dor igual aquela quando a gente bate o dedinho no canto do móvel, ressaca igual aquela de vodca barata e sofrimento igual pancada no saco. Ressaca mesmo, de vomitar até. Se ser completo custa-lhe um oneroso auto perdão, perdoe-se. Se não dos felizes, de quem é a capacidade de se perdoar?
Se ser completo exige-lhe que saia da sua gaiola, experimente explodi-la. Se ser completo exige ser legal, experimente! Reza a lenda que recebemos do mundo o que damos a ele. Se ser completo exige que destrave-se de si mesmo, assim o faça, o mundo espera pelo seu sorriso completo e por sua feliciade autêntica.
Mas, se depois de tantas receitas e sugestões ainda insiste em ser metade, faz-me um favor, não tente roubar uma metade de mim para ser completo. Faz mais: não cruze meu caminho. Guarda teu metadismo contagioso longe de mim.