segunda-feira, 17 de novembro de 2014

I n f i n i t o u - se

Estava sentada em frente ao mar. Um stand-by de vida, por ora. (vento)
Sentia o peito em voou.
Com contrações musculares intensas e dedos dos pés arreganhados, entranhava-os na areia em movimentos compassados... Sentia o delicioso atrito dos grão nos pés... Excitante... De um delicioso estranhamento.
Deve ser esse o principio daquelas caixinhas de areia com pequenos ciscadores nas salas de espera, pensava ela.
E o tempo passava... passava e passava. Ela um ser vivo oco de vida.
Estava completamente desconhecida de si mesma, uma roleta russa mental.
Por que, então, o mar não cai pra cima já que está as vezes sempre está de cabeça para baixo? Pensava ao fitar a linha infinita do oceano...
A maresia entrava nas suas narinas...
Tentava ver até onde não dava mais... Espremia a vista...
Imagina a força que o universo faz para segurar essa água toda? Pensava.
 E retinha assim, ainda mais? Deve ser essa força, então, o destino...
(Ia caindo um dominó por vez)
Esta força deve atuar sobre nós também... Talvez,  por isso somos assim, meio melancolicos e tão pressionados, todos comprimidos pela força do destino, pensava. "Águas retas pela compressão."
O vento fazia aquele barulhinho gostoso e irritante de vento nos ouvidos...
Essas ondinhas na superfície da água, por certo, são a tentativa insignificante do mar de fugir do destino, como as vezes tentamos...
Triste fatalidade, continuamos todos ondinhas, nada de nos fazer maremoto contra o destino...
Bem longe ouvia, transpassando o chiado do vento, barulho de buzina e trânsito caótico... Algo distante, meio abafado, parecia uma lembrança.
Deitou na areia... Esparramou o corpo e os cabelos cacheados por sobre aquela imensidão de minúsculos grãos. Dane-se! Depois limparia o vestido e os cabelos.
Era fim de tarde, céu claro, sol fino, cirros alaranjados traçando o céu... (vento).
E os pés continuavam a se enfiar com força na areia... Pulmões à todo vapor...
O brilho do universo acima dela a fez lacrimejar e fechar olhos meio vesga, meio desnorteada... Como se fosse pouca a vontade de chorar, o céu a invadiu e foi em sua nascente, trazer ao mudor seu líquor.
Abriu os braços e os sábios dedos das mãos logo passearam pela areia... Esticou ao máximo os braços, os dedos, então, traçaram linhas paralelas em direção ao seu corpo, na areia...
Com força esmagava aqueles pedacinhos de pedra entre os dedos, como vingança, talvez...
Deu-se ao luxo de rir das cócegas que aquilo fazia nas palmas das mãos. Esfoliava a vida.
A maré também tinha um som abafado... Mera lembrança de uma chegada equivocada, talvez.
Porque havia a deixado?
O que faria com os planos?
Lágrimas azuis pintadas de cirros eram sugadas pelos céus...
O que faria com as lembranças daqueles cachos, sorrindo, pra ela?
Refletia sobre si... Tirou um tempo dela mesma, para pensar sobre ela...
Sua alma cantava um jazz desesperado por socorro... Que valsa!
Teve uma vontade louca... Vontade de foder... Se doar a ela... entrar no melhor 'não pensar' humano. Deleite. Riu. Queria uma tequila. Lambe-la, beija-la, consumi-la. A roleta russa mental continuava...
Teve uma pontada súbita de ódio. Quanto ódio. Destetou-a com veemencia. Desejou que ela se explodisse...
O que fazer com você dentro de mim? O que fazer comigo dentro de mim sem você?
Levou as mãos sujas aos cabelos e passou por entre os cachos, puxando-os levemente.
Estava vazia. Transbordou à ponto de secar o que já estava inóspito. Odiava-a por amá-la.
Era mais inteso do que achou que cabia no seu abismo particular...
Porque não a amava o suficiente? Claro que amava.
Senão amor, o que era aquele sorriso? E aquele gozo? E aqueles olhos falantes?
Grandes coisas a gente diz sem usar palavras.
Não fomos feitos para sermos medidos... ou medidos de nenhum sentimento.
(tempo)
O céu agora era de um lilás acinzentado... Uma estrela solitária brilhava no fundo do céu.
Agora era só... Como a estrela... E estava no fundo do céu, entre o assoalho e a madeira da caixa, quase no vácuo de fora.
Tuuli sempre fora uma furacão que pouco durava.
Como poderia alguém querer tanto algo por tão pouco tempo? Dessa vez, ela fez quase tudo certo.
Se Liiv gostava de abismos, Tuuli vivia em queda livre.


Fez-se então, maremoto.
Achou-se.
Tinha em si a maior de histeria do mundo.
O jazz desesperado virou blues. Gargalhou para as estrelas. Sorriu para o universo.
 Fez mentalmente o provável roteiro do Cometa Halley... Mediu com as mãos. Tirou o cometa para dançar.
Para se conviver com um masoquista tem que dar a ele a dor necessária para ser feliz.
Pulverizou-se.
Suas células, aos poucos, fizeram o retrocesso telofásico e, por união, formaram grãos... Soltos. (vento)
Ninguém que passava por ali ousou ver. Foi lento.
O vento batia e aos poucos, ela ia indo embora naquela corrente.
Se fez pó, areia... Areia de vida... Rinite existencial. Um espirro de vida.
De um processo que começou de dentro para fora, de fora para dentro se fez pó até o vento levar... Infinitou-se ao infinito.
Do mar, do alto dele, veio uma forte rajada de vento que espalhou o pouco que restava dela pela areia, água e céu... E levou-a...
Um cisco da vida dela foi longe, oscilou quase nas estrelas, beijou quase o mar, dançou com o vento e no olho de Tuuli, que estava sentada muito longe em frente ao mar, foi parar. Na hora, não chorava. Mas veio um gostinho de Liiv no ar e caiu esse cisco no olho... Não teve jeito, o ventou sugou suas lágrimas. No blues louco da vida, suas gotículas se embalavam com o pó da sua outra existência e em passos loucos e giratórios foram vida no ar. Poeira cósmica de um amor para a eternidade.
Por mais forte que seja o destino, vento ele não impede... E o mar, eterno rebelde, espera o mínimo dos ventos para se maremotizar.