quinta-feira, 7 de março de 2013

Só enxergamos o que conseguimos


Rodeados de felicidade, daltônicos por tristeza. Vivemos numa busca incansável pelo feliz que já vivemos, mas que falta colírios ou óculos escuros o suficiente para enxergarmos. 
Estes dias, no supermercado, mais precisamente na fila para pegar míseros gramas de presunto e queijo em fatias, avistei meio que de longe uma professora do primeiro período da faculdade. Vestida sem o quadrado jaleco branco, tinha um aspecto mais jovial. Ela estava em um daqueles enormes refrigeradores abertos do super mercado e analisava, ponderava e escolhia alguns entre diversos tipos de queijo empacotados à pressão em embalagens excêntricas. Mas ela não analisava apenas, ela A-N-A-L-I-S-A-V-A detalhadamente e contentemente gramas, calorias, nutrientes e qualquer coisa supérflua que possa ser levada em conta como quesito de escolha entre diversas embalagens com queijos idênticos. Achei tão estranha aquela alegria toda em escolher queijos. Por favor! Eu estava naquela fila com um olho aberto e outro fechado de tanto sono e cansaço, e, ainda por cima, entediado com a idosa que estava à minha frente resmungando pela demora... como alguém poderia ser feliz escolhendo, demoradamente, queijos?
Neste exato instante, chegou um cara ao lado dela. Só o bíceps dele dava duas vezes o meu peso, à saber. Colocou levemente a mão por sobre a silhueta afilada dela e encostou de leve os seus lábios no pescoço dela. Não teve como conter. Um riso puro e uma espécie de espasmo em onda percorreu o seu corpo. Sem tirar o time de campo e sem dar espaços para maiores reações por parte dela, logo ele opinou sobre qual dos dois idênticos queijos ele preferia. Rindo, ainda, ela o olhou desconfiada e indignada pela perspicácia dele em saber qual o melhor queijo mesmo estando longe durante todo o demoroso tempo em que ela passara escolhendo. 
Tudo estava minunciosamente explicado. Quatro letras, uma massagem moral, uma anestesia geral e um pedaço do melhor queijo: amor. Mais que amor. Nove letras, uma massagem moral, um opioide de longa duração, um parentese para fazer par com o seu e dois pedaços do melhor queijo: casamento. Faziam as primeiras compras juntos, por certo. E vejam só... felicidade... quanta felicidade.

Ao meu lado, a menina adolescente sorria enquanto ouvia nos seus estéricos fones de ouvido: " [...] Vamos viver, vadiar... O que importa é nossa alegria... Vamos viver e cantar, Não importa qual seja o dia..." Grande Chorão, seria capaz de reconhecer esses versos até em libras. Vejam só... mais e mais felicidade.

Na sessão de doces e biscoitos, o menino, já obeso, aperreava a sua mãe, também obesa, por mais e mais biscoitos. 
- Só mais esse mãããe! 
E a mãe com uma cestinha cheia de gordices se mantinha na firme e contrária posição.
-Não, João!
Ele insistiu mais uma vez:
-Sóóó eeesse, o último! vai, vai, vai, vai! 
Fez aquela carinha irresistível, semelhante ao Gato do filme Shrek. O instinto maternal não aguentou e se esfacelou como um castelo de cartas em meio à um vendaval. 
- Certo, certo, João! Esteja ouvindo: O ÚLTIMO!
O menino abraçou o biscoito como se estivesse abraçando o pai que passara anos em uma guerra e voltava agora sã e salvo. A mãe virou-se e deu um escondido sorriso de felicidade, sem que o menino visse, para "não perder a moral".  Sorrisos e... mais felicidade.
Já na fila para pagar as compras, vi uma mulher passar com uma caixa bem grande, até. Tinha a cara de quem carregava a felicidade no bolso. Ou nas mãos, que seja. Chegou ao caixa, com um caloroso sorriso, abriu o recipiente de papelão e começou a tirar, quase que magicamente, uns 20 ovos de páscoa, do mesmo tamanho, porém de diferentes cores e personagens (Iam desde a Barbie, Jolie, até o Ben10 e Toy Story). Sorria ao tirar os ovos de chocolate e sorria, ainda mais, diante da surpresa reação da moça que estava no caixa. A possuidora dos ovos tinha, no máximo, 25 anos, parecia ser de classe média e estar involucra em um espírito de gratidão encantador. Dava até para imaginar quantos futuros sorrisinhos passavam na cabeça dela enquanto revia seus mágicos objetos de sorrisos. Vejam só... felicidade. Felicidade presencial, felicidade encaixada, felicidade recíproca. Felicidade minha em vê-la feliz por fazer alguém feliz. 
Ponham seus óculos alucinógenos ou seus caleidoscópicos colírios de olhar para o interior. Deem-se ao gosto de vivenciar a felicidade presenciada, saibam estar rodeados por ela e reconhece-la, eduquem seu daltonismo com tropismo para a tristeza.

Quando já pagava minhas compras, ouvi no caixa ao lado:
- Mããããe, só mais esse chocolate, por favorzinho!
-Não, João!
-Mããããe! só mais esse! só mais esse!

Um comentário:

  1. foi bom ler isso, tipo resposta ao que escrevi agora há pouco. Abraços! :)

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